Arte cênica

Novo olhar para assunto velho

As atrizes Nathalia Dill e Vilma Mello remontam o espetáculo “Fulaninha e Dona Coisa”, de 1988, que investiga as mudanças na relação entre patroa e empregada

Nathalia Dill interpreta Fulaninha na versão anos 2010 de ‘Fulaninha e Dona Coisa’ | Foto: Gui Maia/Divulgação
PUBLICADO EM 17/11/18 - 02h00

Nathalia Dill, 32, tinha apenas 2 anos quando a peça “Fulaninha e Dona Coisa”, escrita por Noemi Marinho, estreou, em 1988, com Aracy Balabanian e Louise Cardoso interpretando as personagens-título, e Marco Nanini na direção. 

De lá pra cá, muita coisa mudou e foi justamente com a ideia de ver com olhos do fim dos anos 2010 que o produtor Eduardo Barata resolveu dar início ao projeto, que passa por Belo Horizonte no próximo fim de semana para duas apresentações (24 e 25). “A gente acabou focando mais na solidão das mulheres, em como elas se complementam e como elas precisam uma da outra pra sobreviver. Olhamos mais para a solidão, mas sem esquecer a parte política do pano de fundo da peça”, diz Nathalia.

A PEC das Domésticas – lei aprovada em 2013 que equiparou os direitos dos empregados domésticos aos dos demais trabalhadores – foi uma das transformações que Barata tinha em mente quando buscou outro viés ao texto. 

“Ele (o texto) fala da relação patroa-empregada, uma herança escravagista que temos e que fez dessa relação muito mal definida por muito tempo. Mas a PEC foi uma mudança que a tornou um pouco diferente, ao mesmo tempo a aproximando de qualquer outra relação patrão-empregado, porque sempre um precisa do outro. E, por mais que haja mais direitos, a relação hierárquica de poder ainda existe”, contextualiza Nathalia. “E depois de tudo o que aconteceu esse ano, as eleições, ficou cada vez mais evidente que todas essas conquistas são frágeis, da PEC das Domésticas à própria CLT, e, se não ficarmos atentos e valorizá-las, podemos perdê-las. Acho que a peça ficou ainda mais atual”.

Nathalia interpreta a empregada Fulaninha, uma jovem com a cabeça cheia de sonhos que chegou do interior, e Vilma Mello faz Dona Coisa, sua patroa, uma mulher moderna, independente, que prefere manter certa distância em suas relações. “Fizemos algumas alterações no texto pra tentar trazer as questões profundas de cada uma”, explica.

Não foi por acaso que Nathalia ficou com o papel da empregada e Vilma Mello, que é negra, interpreta a patroa. Não só na dramaturgia, frequentemente a situação é oposta. A ideia era fazer uma provocação. “Quisemos justamente jogar uma luz nessa questão: o que é padrão, o que é certo, o que está ao contrário. Existe uma regra? Por que se espera o contrário? Será que quando eu vejo também acho estranho? Quisemos sinalizar isso, não dá pra continuar fazendo do jeito que sempre foi feito. É uma mensagem importante”.

A atriz não restringe suas mensagens políticas ao palco e, ao lado de outros nomes como Patrícia Pillar, Camila Pitanga, Bruna Marquezine, Leandra Leal, Bruna Linzmeyer, Alinne Moraes, Juliana Alves, Sophie Charlotte e Nanda Costa, usou seu perfil no Instagram para repudiar o assédio sofrido pela cantora Claudia Leitte, no último sábado (10), durante participação no programa Teleton. Na ocasião, Sílvio Santos se recusou a abraçar a cantora dizendo que isso o deixaria excitado.

“Acredito que todo mundo deva se posicionar sempre. Precisamos estar atentos, nos questionar, conversar, discutir. Se não falarmos a coisa passa em branco. Isso tudo é muito recente, e são coisas que a gente costumava ignorar, deixar pra lá. E não quero me tirar da necessidade de crítica, também preciso evoluir, melhorar, mudar erros, afinal estou inserida nessa sociedade que é machista, racista, hipócrita. Contestar o discurso é uma forma de me transformar, porque não podemos deixar assédio e humilhação passar”, pondera.

Trabalhos

Com uma novela recém-terminada – “Orgulho e Paixão”, do horário das 18h, da rede Globo, em que interpretou a protagonista Elisabeta – a atriz já tem previsão de retorno à telinha: estará no elenco da próxima novela de Walcyr Carrasco, “Dias Felizes”, prevista para o horário das 21h, que deve estrear no fim do primeiro semestre de 2019. 

Fulaninha e Dona Coisa
Centro Cultural Minas Tênis Clube (r. da Bahia, 2.244, Lourdes). Dias 24 (sábado) e 25 (domingo), às 20h. R$ 25 (inteira)