Pampulha

Pole Dance se firma como atividade democrática e empoderada

Antes estigmatizada, prática se firma cada vez mais como democrática e empoderadora, e arregimenta adeptos de vários perfis

PUBLICADO EM 18/11/17 - 03h00

Para não confundir com a outra Beatriz presente, ela foi apresentada como Bia. Mas a própria entrevistada corrigiu: “Vó Bia”. Aos 73 anos, Beatriz Couto já é, de fato, avó, mas o acréscimo ao diminutivo de seu nome tem mais a ver com o carinho com o qual suas colegas de academia a tratam. Dona de uma disposição invejável, Bia há três anos engrossa a ala dos adeptos de uma atividade que vive um momento particularmente positivo na cidade: o pole dance. Prova incontestável é que, há poucos dias, BH sediou o primeiro campeonato estadual da categoria. 

É provável que, hoje, Bia seja a mais longeva praticante da dança na capital mineira – na verdade, ela gosta tanto que, acredite, frequenta duas escolas. No entanto, a simpática vovó não é a única representante da ala das, digamos assim, mais maduras – Mabel Rodas Vazquez, 46, Lúcia Mohallem, 56, ou Taciana Braga Pereira, 48, que o digam. Por vias distintas, as três chegaram ao pole e nele fincaram raízes, atraídas por diversos chamarizes. 

Que fique claro: não se trata de uma panaceia. Mas os desafios intrínsecos à prática, o espírito democrático que a rege e questões que acabam sendo trabalhadas tangencialmente, como o empoderamento e a sororidade, são apenas alguns dos trunfos citados pelas professoras ouvidas para esta matéria – hoje, a capital mineira tem várias escolas espalhadas por suas regiões. 

Taciana encontra na dança um alento para o tratamento recente de dois cânceres – no dia da entrevista, estava com os pontos da cirurgia de retirada de um nódulo do pulmão. A paraguaia Mabel viu seu mundo virar de ponta-cabeça após o fim do casamento de 20 anos. A autoconfiança vem sendo recuperada aos poucos, com as aulas. “Não foram os benefícios físicos que me trouxeram aqui! Tanto que corro 15 km/dia. Foi, de fato, a questão da autoestima”, assegura.

Deixando a questão da idade de lado, Mabel, Taciana, Vó Bia e Lúcia integram um time que encontra um denominador comum: para além dos benefícios físicos, viram, no pole, uma espécie de terapia para tratar feridas como depressão, abuso sexual na infância ou a já citada guerra contra o câncer. 

Sensual. Ou não

Os mais ligados em novelas vão se lembrar de Alzira, vivida pela atriz Flávia Alessandra na novela “Duas Caras”, exibida pela Rede Globo em 2007. Mas o conselho é: esqueça o contexto no qual a personagem estava inserida – o de uma mulher que fingia ser enfermeira em um hospital, mas, na verdade, era stripper de uma boate, dado que sustentava a casa. A obra de Aguinaldo Silva, de qualquer forma, popularizou, no Brasil, o pole dance.

Não que a sensualidade não seja trabalhada em algumas das variações, nas academias. A questão é que esse aspecto é pensado para que a própria mulher se sinta bem com seu corpo e sua feminilidade – não para atender outrem. “Não temos o objetivo de mostrar para o namorado”, desmistifica a professora de forró Milena Morais, 21. “É estar sensual para si mesma”, pontua. 

Mesmo porque o pole da vida real não exige corpos perfeitos. “As aulas acontecem em frente ao espelho, que, aos poucos, vai deixando de ser um inimigo. Ocorre que a nossa sociedade é bombardeada midiaticamente por corpos muito perfeitos. E, aqui, a gente vê que as pessoas ou têm um peito grande ou muito pequeno, uma bunda muito grande ou muito pequena, uma cicatriz de cesárea, uma barriguinha...”, pondera Débora Amaral Mozelli, do Espaço Lona.

Ela acrescenta que, pelo fato de o pole ser desafiante, as alunas acabam descobrindo que “o nosso corpo, na verdade, é maravilhoso”. “Se condicioná-lo, você aprende a fazer coisas incríveis, como dar piruetas. Não tem idade, apenas é preciso entender que cada um evolui no seu ritmo”.

No entanto, Débora alerta que não é pertinente desqualificar quem procura a dança pelo seu viés sensual. “O pole classique, como chamamos, é importante para a mulher se reconectar com a sua sexualidade, inclusive porque somos muito castradas socialmente. Sim, tem que haver respeito por quem procura o pole pelo lado esportivo, mas também com quem quer ter a ‘dança de boate’”, advoga ela. 

Beatrizes

Mais que o mesmo nome, Beatriz Couto, a Vó Bia, e Beatriz Gomes Fonseca têm histórias de superação e o apreço pelo pole em comum. Vó Bia tinha tanta vontade de fazer pole que foi a primeira aluna a se matricular na Simetria, quando o estúdio foi inaugurado em frente à sua casa. Hoje, além de lá, frequenta também o Espaço Lona. Detalhe: junto à neta, Paula, 23. Não bastasse, tem uma barra em casa, e ganhou da família o tapete apropriado, para não correr o risco de se machucar. 

Beatriz Gomes Fonseca tem 36 anos e o diagnóstico de esquizofrenia, creditado aos abusos que sofreu na infância por parte do padrasto. Hoje, ela frequenta as aulas com a filha, a fofa Samara, 13. Beatriz chegou ao pole atraída pela beleza das fotos que via em redes sociais. Hoje, e também por conta de reeducação alimentar, já emagreceu 15 kg. “Era muito fechada. Hoje, sinto que me coloco mais, não tenho mais tanta vergonha e gosto mais de mim. Até meu marido, hoje, agradece ao pole”, afiança, feliz. 

Acolhimento, aplausos, apoio e incentivos

A pedagoga Taciana Braga Pereira, 48, conta que entrou no pole dance “por tristeza”. No meio da entrevista, aliás, as lágrimas acorreram aos olhos. “Tempos atrás, eu achava que era de ferro”, admite ela, que viu essa certeza ruir ao perceber, um belo dia, que seu corpo havia simplesmente travado, fenômeno que ela credita à tristeza pelo fim do casamento e o estresse do trabalho (“não pelos alunos”, frisa ela, que atua na rede pública de ensino). Mais tarde, veio um câncer no reto, que demandou quimioterapia. Agora, ela acaba de tirar um nódulo do pulmão. “Se hoje estou aqui (na vida), é devido ao pole”, diz, emocionada.

Professora de Taciana, Lu Senra, nome à frente do Studio A, pondera que o pole atua como terapia pelo fato de fazer o praticante aprender a lidar com a frustração (ao não conseguir realizar um certo movimento) e, ao mesmo tempo, com o desafio de seguir tentando fazê-lo, e a alegria de, por fim, conseguir. “Ao mesmo tempo, o culto ao corpo do pole dance é diferente do das academias tradicionais. O olhar-se no espelho faz com que as pessoas se aceitem – e percebam que o corpo perfeito é o que a gente tem”.

Foi o que aconteceu com a farmacêutica bioquímica Denise Souza, 34. Ela, que foi obesa mórbida, submeteu-se a uma cirurgia bariátrica há oito anos, mas, dos 45 kg perdidos, acabou recuperando 30 alguns anos depois. “Na verdade, eu trazia bloqueios de uma vida inteira e, num caso assim, a mudança tem que ser interna. Hoje, já perdi 15 kg (não só com o pole, mas também com academia e mudança alimentar), mas sei que a luta é eterna! Quero emagrecer, ter uma vida saudável. Mas estou me aceitando como sou. A gente tem que ser feliz”.

Em sua página no Facebook, o Estúdio Bowie, aliás, fez uma série (“Verdade ou Mentira?”) para desmitificar algumas lendas sobre o pole dance, como a questão do peso. À frente da escola, Babi Bowie diz ser frequente a incidência de alunas que chegam temerosas em expor as imperfeições diante do espelho – posto que a atividade exige obrigatoriamente o uso de top e hot pants.

“Uma filosofia do estúdio é justamente desconstruir a imagem do pole só para sedução, para a stripper, ou para mulheres que são magras”, diz Babi Bowie.

E a questão da idade também, como provam a já citada Taciana e a bancária Lúcia Mohallem, 56, que aderiu à dança ao se flagrar sozinha, após a saída dos três filhos de casa. “Na verdade, sempre fui uma buscadora de mim mesma. Como minha alma é leve, flutuante, dançante e jovem, fui fazer balé clássico, mas é difícil quando se inicia na minha idade. Hoje, sigo fazendo, mas aliei ao pole e ao circo, bem como ao balé contemporâneo. Na verdade, minha busca é interior. Não vejo essas atividades como hobby, quero realmente chegar a algum lugar. E é libertador vestir short, pois, ali, não é ter o corpo bonito, mas executar o movimento de forma bonita”.

A superação de um corpo com sobrepeso foi também a força motriz para a professora de biologia Sylvia Amaral, 29, que descobriu o pole em meio a uma séria depressão. “Na verdade, sempre fui uma pessoa bastante ativa, inclusive treinava muay thai. Mas, com a depressão, desanimei, acabei largando tudo. Daí engordei 25 kg”, admite. Foi numa festa de pós-defesa de mestrado que ela se deparou com uma exibição de pole e, instigada, resolveu fazer uma aula experimental. Virou fã. “Hoje, consigo fazer movimentos que pensava nunca ser capaz de executar”, diz.

A professora Taís Daher lembra que é frequente encontrar histórias assim, de paixão. Ela própria teve um intenso impacto ao travar contato com a atividade – tanto que abandonou sua profissão de diploma, a engenharia civil, para criar sua academia, a Orbitais. “Uma coisa que eu destacaria é que, neste universo, as pessoas são muito apoiadoras. Não há competição, como no mundo da dança, você não fica disputando para ficar na frente. Quando uma aluna consegue executar um movimento, todo mundo aplaude. Ou seja, é um espaço acolhedor, o que, neste contexto atual, acaba sendo raro”, diagnostica.

Presença masculina

O “Verdade ou Mentira?” de Babi também fala da presença masculina nas escolas, que, sim, é super bem-vista. Aluno de uma outra escola, a Studio A, Tiago Gambogi, 41, além de ator, bailarino e diretor, hoje também se apresenta orgulhosamente como pole dancer. À reportagem, ele conta, tímido, não ter nenhuma história de superação para contar. Nem precisa. Com a técnica, solta seu grito contra situações que o incomodam. Na montagem “Trans –Amazônia”, que aborda as discussões sobre Belo Monte, ele usa o pole para dar vida a animais como a onça e o macaco.

Também usou o pole na performance “Bento: Uma Sirene Por Responsabilidade”, alusiva à tragédia de Mariana (inclusive foi ao distrito de Bento Rodrigues, junto ao fotógrafo Lucas Brito). É o pole sendo engajado e político.