Reportagem

Eles devoram livros

Bienal do Livro: Além da programação tradicional, edição 2014 amplia espaço para público teen

PUBLICADO EM 08/11/14 - 03h00

 

Maria Spinola Ramos é uma adolescente como muitas outras da sua idade. No alto dos seus 13 anos, entre as atividades escolares do 8º ano e o curso de inglês às segundas e quartas-feiras, ela lê. Lê, lê e lê qualquer literatura que lhe indicam, menos terror. “Já li 45 livros este ano”, conta ela, isenta de qualquer ar que lhe parecesse contar vantagem por isso. Fã incondicional de romances fantásticos, ela coleciona em sua estante autores como Cassandra Clare, da série “Instrumentos Mortais”, Veronica Roth, da trilogia “Divergente”, John Green, de “A Culpa É das Estrelas”, e claro, J. K. Howling, criadora da saga “Harry Potter”. E aguarda ansiosa a abertura da 4ª Bienal do Livro de Minas.
 
A feira, que acontece entre os dias 14 e 23 no Expominas, além de sua programação tradicional, volta seus olhos para essa galerinha que, desde o fenômeno do bruxinho Harry Potter, no fim dos anos 1990, alimenta o mercado editorial que mais cresce no Brasil, segundo a presidente da Câmara Mineira do Livro, Rosana Mont’Alverne. Só em 2013, esse segmento cresceu 19,5% em volume de vendas, revelam dados da empresa de pesquisa de mercado GfK. 
 
Acompanhando essa procura e eliminando de vez a ideia de que jovem não gosta de ler, a Bienal aposta em espaços como o “Conexão Jovem”, que receberá um elenco de verdadeiros astros das letras teens para bate-papos com o público. O “figura” do Youtube Felipe Neto, a blogueira Isabel Santos, o criador dos “Karas”, Pedro Bandeira, Raphael Draccon e seus dragões e as queridinhas da literatura “cor-de-rosa”, Paula Pimenta e Thalita Rebouças, são alguns dos destaques do espaço considerado o mais descolado da Bienal. Margaret Stohl, autora do best-seller “Dezesseis Luas” é a atração internacional. Os nomes foram escolhidos pelos jovens através das redes sociais.
 
Segundo Tatiana Zaccaro, gerente de negócios da Fagga, organizadora do evento, o espaço foi algo pedido pelos próprios leitores. “Esse público lê mais e pede mais. Eles passaram a ser presença forte nas bienais, solicitando programação específica”, conta.
 
Destaques do Conexão Jovem
 
15/11 
13h Paula Pimenta
 
16/11
12h Margaret Stohl
16h Thalita Rebouças
 
20/11
19h Felipe Neto
 
23/11 
12h Pedro Bandeira 
 
ATRAIR JOVENS NÃO É TÃO DIFÍCIL
 
Na Bienal do Livro de Minas no próximo dia 16 para lançar seu novo livro, “360 Dias de Sucesso” – um romance sobre as delícias e os desafios de uma banda formada entre amigos que se torna muito famosa –, Thalita Rebouças afirma que devia ser proibido relacionar os jovens à distância com os livros. “Tendo uma história boa, não importa a grossura, eles vão ler. Adolescente gosta daquilo que chama sua atenção”, comenta a autora de sucessos como “Fala Sério, Mãe!” e “Traição Entre Amigas”.
 
Ela conta que quando escreveu “Traição...” tinha como público-alvo jovens adultos de 18 a 25 anos, mas recebeu tantos comentários positivos de uma galera mais nova que não dava para ficar assim. “Eles diziam se reconhecer tanto nas minhas palavras que eu percebi o quanto ainda havia uma parcela de leitores carentes de obras que abordassem mais intimamente seu universo”, lembra.
 
E bastou uma aproximação para aqueles que consideravam chatos os clássicos oferecidos nas escolas se tornassem ávidos leitores. Maria Spinola, por exemplo, começou a se interessar pelas letras durante uma feira em seu colégio, quando amigas lhe indicaram “Fazendo Meu Filme”, de Paula Pimenta. Os dramas de Fani ao mudar de Belo Horizonte para fazer um intercâmbio no exterior logo cativaram a estudante e ela não parou mais. 
 
“Os adolescentes de hoje são muito ‘elétricos’, acostumados a fazer várias coisas ao mesmo tempo, a receber informação o tempo todo. Então os livros têm que seguir esse ritmo, pois sei que essa geração se entedia facilmente. Eu tento refletir a realidade deles nas minhas histórias: meus personagens têm redes sociais... Alguns pais me perguntam: ‘Como você conseguiu tirar minha filha da internet?’, e eu respondo brincando: ‘Eu levei a internet para o livro!’”, conta a autora.
Paula Pimenta também vem à feira para lançar “Apaixonada por Histórias”, livro com 55 crônicas sobre situações que viveu e que inspiraram muitos de seus personagens. 
 
LITERATURA CLÁSSICA X INFANTOJUVENIL
 
O contato não só com os livros, mas também com outros leitores é, para Zélia Versiani, pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale) da UFMG, um dos principais incentivos para a formação de novos leitores. Como adolescente costuma andar em bando, esse contato pode ser ainda mais intenso. 
 
Falar sobre vampiros, bruxos, guerreiros e demais heróis que têm invadido as páginas dos livros juvenis só aumenta o desejo de ler mais e mais, pois como comenta Zélia, “na juventude não só ler, mas poder compartilhar o que leu parece ser a chave para a manutenção do interesse pela leitura”. Mas isso não quer dizer que os clássicos também não possam entrar nas rodas de conversa. 
 
“Eu sou do time que acredita que, em matéria de leitura, as escolhas devem ser respeitadas, embora considere umas melhores que outras. No entanto, eu acredito que quando se experimenta a leitura literária e o que ela potencialmente oferece ao reinventar a vida e o mundo, dificilmente o processo será interrompido. Apresentar aos jovens outros livros na escola, na biblioteca, na internet pressupõe também possibilitar que essas leituras que consideramos ‘melhores’ ganhem uma dinâmica de trocas, de bate-papos, que deem vida às narrativas e aos poemas lidos de maneira solitária”, estimula a pesquisadora. 
 
Exemplo disso é a graduanda em Letras, Thays Martins de Paiva, 20, que ama clássicos nacionais como Machado de Assis, José de Alencar, Graciliano Ramos e Clarice Lispector, mas não vai perder a oportunidade de encontrar Margaret Stohl na Bienal. “Me apaixonei por ‘Dezesseis Luas’. Gosto de todo tipo de literatura e acho que cada um tem sua forma de entreter o leitor, depende do seu gosto. O que me chama atenção nesse tipo de narrativa como a da Stohl é a liberdade pra criar, pra fazer diferente, pra tirar o leitor da realidade monótona”.
 
 
JUVENTUDADE QUE LÊ E ESCREVE
 
Se um dos maiores objetivos da 4ª Bienal do Livro de Minas é atrair jovens leitores e despertar o prazer de ler em tantos outros, o evento também abre espaço para aqueles de pouca idade que gostam de escrever. É o caso de Raphael Montes. O escritor carioca de apenas 24 anos lançou seu primeiro livro “Suicidas” aos 19 e é considerado um dos grandes expoentes do gênero policial brasileiro. Crimes, seus bastidores e suas consequências são os temas que mais o instigam e ele estará em Belo Horizonte no próximo dia 21 (sexta-feira) para conversar com o público sobre esse universo cheio de obscuridades e obscenidades da sua literatura.
 
O bate-papo, que contará também com o escritor e roteirista Marçal Aquino, faz parte do espaço “Café Literário”, cuja curadoria é do escritor João Paulo Cuenca. A ideia é mesclar autores consagrados com nomes da nova geração. “Dias Perfeitos”, o último romance de Raphael, teve seus direitos vendidos para dez países. A história de um amor obsessivo, cuja trama envolve um esquartejamento, será lançado em espanhol na América Latina no ano que vem.
 
“Eu me tornei leitor ao mesmo tempo que escritor. Foi através de Sherlock Holmes, personagem dos livros de Arthur Conan Doyle, que ganhei de uma tia-avó em um fim de semana chuvoso, que eu descobri que queria escrever. Aos 16 anos, eu já estava escrevendo meu primeiro romance”.
 
Raphael conta que sua maior dificuldade foi conseguir uma editora para publicar seu début, algo que conseguiu apenas quando foi indicado a uma premiação. Segundo ele, o jovem escritor sofre desse paradoxo: é duro ingressar no mercado pela falta de reconhecimento e experiências, mas quando o livro dá certo, estima-se sua precocidade. “Se eu pudesse dar um conselho para quem está começando, seria: tenha perseverança e paciência. O processo é lento”.
 
Biografias
 
Paciência e perseverança são também essenciais para o escritor que queira se aventurar pelo mundo das biografias. O cearense Lira Neto, outra atração de peso do Café Literário, dedicou cinco anos à elaboração daquela que é considerada a obra de mais fôlego destinada a Getúlio Vargas. A trilogia que, somada, completa mais de 1500 páginas, demandou uma imensa pesquisa aos mais variados acervos públicos e pessoais do Brasil e do exterior, entre cartas, diários, atos judiciais, memorandos, boletins de ocorrência, jornais etc. O segundo volume da série, “Getúlio (1930-1945) – do Governo Provisório à Ditadura do Estado Novo”, foi, inclusive, o vencedor do Prêmio Jabuti deste ano na categoria biografia.
 
Ao lado de Paulo César de Araújo, autor da biografia não autorizada “Roberto Carlos Em Detalhes”, eles vão discutir no dia 16 (domingo), dentre outras questões, os impasses enfrentados pelos biógrafos no Brasil. Afinal, hoje em dia a legislação veta obras feitas sem autorização, mas está em andamento um projeto que exime da avaliação prévia textos baseados na vida de personalidades de interesse público. “Essa é uma questão que há poucos meses contagiou o debate público e é bom que tenha sido assim, porque nossa legislação é arcaica e medieval. É impossível imaginar uma democracia onde haja uma censura prévia. Se o biógrafo caluniou, processa! O que não pode é impedir o biógrafo de contar a história do Brasil”, opina Neto.
 

Confira programação completa no site bienaldolivrominas.com.br
 
PARA CRIANÇAS, MAS NÃO APENAS PARA ELAS
 
Experimentar a palavra de outras formas, em seu movimento, cor, som e cheiro. Sandra Bittencourt aconselha a todos aqueles que queiram visitar o espaço “Minas de Histórias” que estejam preparados para uma expedição literária. Segundo a curadora, que também é educadora e contadora de histórias, a programação infantil da Bienal do Livro de Minas não é de fato só para os pequenos, mas para todo mundo ávido por experimentar relações mais lúdicas com os textos. Artistas e suas várias linguagens, entre sombras, poesias e bonecos, compõem sessões dos mais variados tipos, cujos destaques são: o Pocket Show de Léo Brasil com intervenções poéticas e a sessão “Poesia para Todos: Pra Recitar, Cantar e Ritmar”, com Neusa Sorrenti. 
 
Pensada para receber tanto o público da visitação escolar durante a semana, quanto as famílias no fim de semana, a grade, de acordo com Sandra, procurou abarcar a variedade de faixas etárias dos frequentadores. Para estimular a presença de pais e filhos, o evento beneficiará crianças de até 10 anos com entrada gratuita de segunda a quinta-feira, sempre após as 18h. “A ideia é que quem nunca tenha gostado de leitura, passe a olhar para o livro de outra maneira, sem ser obrigatória, mas prazerosa”, comenta Sandra. 
 
Outra atração que não tem idade é a “Biblioteca Infantojuvenil Rubem Alves”. O escritor, homenageado desta edição, era um assíduo frequentador da Bienal e costumava declarar seu apreço pelo público mirim. A biblioteca disponibilizará centenas de títulos aos visitantes e contações de histórias de clássicos da literatura. 
 
DESTAQUES DA PROGRAMAÇÃO ADULTA
 
Poesia em dose dupla O escritor, humorista e roteirista Gregório Duvivier se encontra com a escritora e compositora Adriana Calcanhotto para a sessão “A Poesia que Me Fez”, no próximo sábado (15), às 14h. 
 
Ditadura militar O escritor Edney Silvestre se une à jornalista e escritora Miriam Leitão para discutir o passado recente e como a literatura reflete a identidade nacional. A mesa acontece no sábado (22), às 19h30. 
 
Cartoons A segunda edição da “Bienal em Quadrinhos” aposta mais na interatividade e no improviso. Alexandre Beck, criador do Armandinho, Duke, Garrocho, do Bufas Danadas e Ryot, do Ryotiras são alguns dos pontos altos. 
 
 
4ª Bienal do Livro de Minas Gerais
Data: 14 a 23 de Novembro de 2014
Horários:
14 de novembro: 12h às 22h
Durante a semana: 9h às 22h
Fins de semana: 10h às 22h
Local do Evento: Expominas (avenida Amazonas, 6.030 bairro Gameleira, Belo Horizonte)
Ingressos: R$ 10 (inteira). Ingressos antecipados disponíveis através do site da Ingresso Rápido. A taxa de conveniência é de 10%