Reportagem

Na rota da zona Leste 

Efervescente - Local atrai belo-horizontino ao acolher vanguarda cultural e corredor gastronômico

PUBLICADO EM 23/07/16 - 03h00

Pode parecer paradoxal, mas a zona Leste, esse pedaço mais à direita da capital mineira, tem mesmo vocação para ser “gauche na vida” (como diria o poeta Drummond). Sede de importantes grupos de teatro da cidade (o Galpão fica ali, no Horto), de produtoras de filmes, coletivos culturais, clubes e (bons) restaurantes, a região tem experimentado uma onda de rejuvenescimento nos últimos tempos. Formada por 51 bairros e cercada pelas avenidas Cristiano Machado, José Cândido da Silveira, Silviano Brandão, Nossa Senhora de Fátima e Contorno, a Leste está “fervendo”.

Se antes o famoso reduto boêmio da ZL era Santa Tereza, berço do Clube da Esquina, agora a lista ganha a adesão de bairros como Sagrada Família, Santa Efigênia, Horto, Alto Vera Cruz e Floresta. O aspecto bucólico talvez seja um dos componentes que atraiam os olhares dos belo-horizontinos para a região. “A zona Leste é uma região que tem uma dinâmica de rua e uma atmosfera interiorana”, afirma Roberto Andrés, 35, arquiteto, urbanista e editor da revista “Piseagrama”. Segundo ele, ao contrário da Savassi, que está elitizada, “na zona Leste é possível uma troca sem essa mediação carro/porteiro/condomínio. Em Santa Tereza, por exemplo, os moradores se comunicam e assumem para si as questões do seu próprio bairro, o que deve mesmo acontecer. Esse tratamento da cidade como uma extensão da própria casa”, completa.

Músico e um dos fundadores do Clube da Esquina, Marilton Borges, 73, se lembra dos primórdios do burburinho do local. “Minha família se mudou para Santa Tereza em 1940. Era vazio e muito mais barato. Ao longo dos anos, por causa da proximidade com o centro, foi se tornando a opção favorita de artistas e músicos”, conta.

Nascido e criado no Alto Vera Cruz, o rapper Flávio Renegado, 34, hoje volta a observar a mesma inversão do fluxo de movimentos na cidade vivenciada por Marilton décadas atrás. Figura central em sua comunidade, o rapper também faz sua análise. “No começo, apenas o pessoal da comunidade ia aos meus shows. Com o passar do tempo, passou a ser a galera da zona Sul. Atualmente, é possível perceber uma mistura total. Com o amadurecimento, meu som passou a falar pra mais gente. Estamos fazendo o movimento inverso, trazer a zona Sul para subir o morro”.

Frequentador do Bolão e do bar do Orlando (o Bar dos Pescadores, na rua Alvinópolis, em Santa Teresa), Renegado se sente a cara da zona Leste, mas evita tomar pra si esse rótulo. “Um líder não se autonomeia, as pessoas o proclamam. Desde que lancei meu primeiro disco, essa percepção surgiu. Nosso foco é promover um intercâmbio entre as comunidades, provocar um protagonismo de todas. Quem está a fim de trocar vai ser sempre bem recebido”, acredita o artista.

Praia de mineiro

Apesar de morar na região Centro-Sul da capital, a cantora Laura Lopes faz academia e pedala na Leste. E quando escolheu o imóvel para abrir seu estabelecimento, o Gruê Tapas, foi direto na rua Sapucaí, hoje o pôr do sol mais badalado de Belo Horizonte. “O pessoal sai de carro para vir de outras áreas da cidade”, celebra. O restaurante funciona, desde abril, em um imóvel que estava abandonado há 26 anos. “Acho a Sapucaí a rua mais bonita de BH”, diz ela, que divide a via, que só tem construções de um lado e margeia a praça da Estação, com vários estabelecimentos, dentre eles a Salumeria Central.

“Gosto da ideia de se manter um corredor gastronômico de bom nível, com casas do tipo que só encontramos em Lourdes e Funcionários, cafés e outros ambientes mais tradicionais no bairro Floresta – que são as baladas e botecos – tudo misturado”, diz a cantora. “Manter um restaurante de alto nível na rua Sapucaí ainda é um desafio, mas assim a vizinhança se fortalece”.

A nossa Vila Madalena

A relação custo-benefício é um dos chamarizes para a zona Leste. “Queria um lugar bonito com um aluguel pelo qual pudesse pagar”, conta Bruna Martins, proprietária da Birosca S2, bistrô situado há três anos em um imóvel de 1929 numa esquina da rua Silvianópolis, em Santa Tereza. A chef sempre almejou ter um restaurante respeitado em termos gastronômicos (o Birosca já foi citado no “NY Times” como um ambiente elegante e com cara de “casa de vó”), mas lembra que, quando inaugurou o estabelecimento, não ficou satisfeita com o fato de o público chamá-lo de bar. Investiu, então, no cardápio e na infraestrutura. “Agora, a sofisticação tornou-se uma demanda. A região sempre teve gente interessada em algo além do boteco. Santa Tereza nunca vai ser um bairro de ‘emperequetados’ como a Vila Madalena (em São Paulo) se tornou”, afirma.

“Por mais sofisticado que seja um ambiente, se ele existe por aqui é porque dialoga com seu entorno. Um restaurante aos moldes do Lourdes jamais sobreviveria na zona Leste”, acredita Pedro Romero, bailarino e proprietário do hypado bar Zona Last, na rua Pouso Alegre, no Horto.

Aberto em abril, em uma loja de 30 metros quadrados, o estabelecimento oferece petiscos e drinques a preços mais acessíveis que os da Savassi. “O bar é a rua e as pessoas que o frequentam são, sem dúvida, mais abertas em relação ao posicionamento político, filosófico, se importam menos com as aparências”, afirma. A permanência na porta, por ali no chamado “baixo Santa Tereza”, é praxe também na vizinha Gruta, um inferninho na rua Pitangui (ao lado do Galpão Cine Horto) onde nem todo mundo que vai entra. Há quem abra mão da pista de dança para ficar na porta bebendo, fumando e conversando. “O movimento de ocupar (fisicamente) a cidade tem sido forte desde 2011. O que traz uma pessoa da zona Sul até aqui é o deslocamento. A percepção de que a cidade é transitável”, acredita Pedro.

Já a artista plástica Wanatta Rodrigues, 23, destaca o Alto Vera Cruz, para ela “terra fértil”. “De cada dez moradores daqui, três são artistas”, enumera ela, a caminho de um show do 1º Festival de Vilas e Favelas, promovido pela Associação Arebeldia, comandada por Renegado. O bairro abriga o evento que oferece, até a próxima quarta-feira (27), exibição de filmes, oficinas e shows de artistas como Pedro Morais e Marina Machado. E reflete, conjuntamente com os outros bairros da região, a inclinação local para a cultura e a ocupação dos espaços públicos. “Acho que a região é culturalmente rica mesmo”, acredita Wanatta.

Êxodo para o lado boêmio

“Me mudei porque todos os meus amigos estavam morando lá”, conta Bruno Figueiredo, fotógrafo e integrante do coletivo especializado em fotografia Erro 99, que trabalha em um espaço de co-working – o Pomar – no Floresta. “Vivia, desde 2014, em Santa Tereza. Há um mês, vagou um espaço na casa de amigos no Floresta e me mudei pra lá. Antes, residia no Barroca (na zona Oeste)”, diz Figueiredo. 

O baixo custo dos imóveis em relação a outros pontos mais nobres da cidade atrai gente de outras regiões à zona Leste e a gera uma recente sofisticação dos estabelecimentos para esse lado da cidade. É o preço do hype. 
 
Desde que vive em Belo Horizonte, há seis anos, o assessor de comunicação do Grupo Galpão e DJ do coletivo de música eletrônica Masterplano, Sosti Reis, mora na região Leste. Ele sente que o público está explorando a área além da Silviano Brandão porque “para dentro” tudo está ficando mais caro. “Do Santa Tereza para o Sagrada Família há uma discrepância gritante de valores”, afirma. A sofisticação dos estabelecimentos e o êxodo dos moradores das outras áreas da cidade para a região dá início ao fenômeno da gentrificação (processo de modificação do espaço urbano, em que áreas periféricas são remodeladas e transformadas em espaços nobres ou comerciais, podendo afetar negativamente os moradores tradicionais). 
 
Ainda assim, Sosti acredita que a mistura de públicos que os estabelecimentos dessa região está promovendo é muito positiva. “Vejo um público jovem, de 20 a 30 anos, gay, feminista, que ocupa a rua, que não quer ficar em clubes fechados. É nesses lugares que gosto de ir e é para esse tipo de gente que o Masterplano faz festas. É uma diversão mais barata, também”, completa. Desde que foi criado, há pouco mais de um ano, o coletivo fez dois eventos de rua na região Leste. 
“Vim morar aqui em 2012 porque a dinâmica do bairro me pareceu a de uma cidade do interior. Todo mundo se conhece”, conta a produtora cultural Janaína Macruz, idealizadora do Bloco do Manjericão, que sai no Carnaval às Quartas-Feiras de Cinzas. “Hoje o bairro está encarecendo e os estabelecimentos perdendo a identidade, meio como a Vila Madalena, em São Paulo”, dispara. 
 
Os favoritos 
Em um dia de casa lotada, Luiz Paulo Ferreira Mairink, 32, recebeu em seu bar um casal de senhores na faixa dos 80 anos em busca do melhor torresmo da cidade. “A senhora estava usando uma saia bonita e um colar enorme, toda arrumada”, conta o dono do bar e mercearia de produtos orgânicos Bitaca da Leste, na rua Salinas, no Santa Tereza. A Bitaca foi citada por quase todos os entrevistados para essa matéria como um dos lugares favoritos a serem frequentados na região.
 
“O restaurante recebe desde os meus vizinhos, que buscam o bar da esquina, até o pessoal da zona Sul procurando uma boa comida de boteco. É o que a gente serve. O torresmo atrai muita gente”, conta Mairink, que acredita na busca pelo que está “fora do ovo”. “É o que estão procurando os novos empreendedores”. 
 
Ele afirma não ter tido tempo para sair à noite, mas frequenta a Birosca s2 quando dá. Antes de ser cozinheiro em seu próprio estabelecimento, comandava a cozinha da Mercearia 130, na Serra. 
 
Carinhosamente chamado de Martinha, o bar Bocaiuva, na rua Paraisópolis também foi campeão de citação. Com cerveja de garrafa e petiscos a preços acessíveis (o prato mais famoso, o tropeiro, sai a menos de R$ 10), o quintal de chão de brita atrai um público eclético que mescla a vizinhança do Santa Tereza com gente que vai de carro da zona Sul para se sentar nas cadeiras de plástico e tomar uma cerveja gelada de garrafa grande. 
 
Rota da sapucaí
 
Gruê -  De segunda a quarta, das 11h30 às 15h; de quinta a sábado, das 11h30 à 0h; domingo, das 11h30 às 16h30. (31) 3656-3654.
 
Benfeitoria - Quarta, das 19h às 23h; quinta, das 19h à 0h; sexta e sábado, das 19h à 1h.(31) 3504-7624.
 
Dorsé -  Terça a sexta, das 11h30 à 0h; sábado, das 12h à 0h; domingo, das 12h às 18h. (31) 3327-8516.
 
Pecatore - Terça e quarta, das 19h à 0h; quinta e sexta, das 19h à 1h; sábado, das 12h30 à 1h; domingo, das 12h30 às 19h. (31) 2552-1450.
 
Petit Café -  Segunda a sexta, das 7h às 19h. (31) 3586-0090. 
 
Salumeria Central - Segunda, das 11h30 às 15h30; terça e quarta, das 11h30 às 15h30 e das 18h30 à 0h; quinta e sexta, das 11h30 às 15h30 e das 18h30 à 1h; sábado, das 11h30 à 1h; domingo,  das 12h às 17h. (31) 2552-0154. 

Festival

Promovido pela Associação Arebeldia Cultural, da produtora Danusa Carvalho e do rapper Flávio Renegado, o 1º Festival de Inverno de Vilas e Favelas oferece programação de oficinas, exibições de filmes e shows. Confira abaixo alguns destaques da programação: 

Segunda-feira (25/7)
15h - Bikeira Cine Clube: “O Menino no Espelho” (Guilherme Fiuza Zenha - infantil)
Local: Arebeldia (Rua Desembargador Bráulio, 167, Alto Vera Cruz)
 
Terça-feira (26/7)
18h - Pocket show: Rafael Dias
Local: Arebeldia
19h - Lançamento: “Sarau da Vera”
Local: Arebeldia
 
Quarta-feira (27/7)
19h - Pocket show : Pedro Morais
Local: Arebeldia
 
Pra circular
Veja as indicações de quem mora na Leste 
Bar do Orlando Rua Alvinópolis, 460 - Santa Tereza (31) 3481-2752. Segunda a sexta 14h às 23h, sábado, das 11h às 00h30, domingo, 12h às 23h
 
Bar Bocaiúva Rua. Paraisópolis, 550 - Santa Tereza, (31) 3463-2812. Segunda a sábado, das 16h às 0h
 
Bitaca da Leste Rua Salinas, 2421, Santa Tereza, 3789-3784. Quarta e sexta das 10h às 22h; sábado, das 10h às 15h
 
Birosca s2 Rua Silvianópolis, 483 Santa Tereza. (31) 2551-8310. Quarta a sábado, das 18h30 à 0h. 
 
Espanta Crise Café Av. do Contorno, 1790, Floresta. (31) 99996-6135. De segunda a sábado, 19h às 2h. 
Gruta Rua Pitangui, 3613, Horto. Confira programação em casadepassagem.blogspot.com.br
 
Zona Last Rua Pouso Alegre, 2952, Horto. Confira programação em facebook.com/barzonalast
 
Espaço 171 Rua Capitão Bragança, 35, Santa Tereza