Corrente

Teia feminista

Com intuito de facilitar a conexão e a sororidade, grupo lança site com mapeamento de coletivos de mulheres da capital

PUBLICADO EM 13/04/18 - 15h14

Elas são diaristas, grafiteiras, atrizes já na terceira idade. São mulheres negras, brancas, empreendedoras, artistas plásticas. São moradoras de favelas, de bairros nobres. São mães. Ou não. Acima de tudo, são mulheres que encampam a bandeira pela emancipação e pelo empoderamento feminino. Organizadas em grupos, a luta individual de cada uma delas se torna coletiva. Assim, uma extensa teia de organizações feministas cresce pela cidade – a exemplo do que acontece em todo o mundo, como avalia Marlise Matos, coordenadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa Sobre a Mulher da UFMG. Em BH, tal expansão se torna mais visível agora: ocorre que as artistas plásticas Lina Mintz, Catarina Maruaia e Renata Delgado, do Coletivo Naiá, estão mapeando e fotografando as diversas iniciativas de veia feminista que tomam a capital mineira.

Com a intenção de dar mais visibilidade à organização e à luta feminina em BH, o Coletivo Naiá lança, neste domingo (15), o site Mulheres em Círculo. Nele, de início, estão catalogadas 30 pontos de luta feminina na cidade. “E ainda temos um banco de dados de mais de 150 projetos”, comenta Lina. A ideia, prossegue ela, surgiu de forma espontânea, uma consequência do trabalho que já vinham desenvolvendo com o Coletivo Naiá, criado em 2012.

“Nós três estudamos na Escola Guignard e já tínhamos uma pesquisa em torno do feminino”, lembra Lina. Mas foi a partir da maternidade que a aproximação aconteceu. Pouco depois do nascimento de sua filha, Lina soube da gravidez de Catarina. E a procurou para falar sobre o parto humanizado. “Dizia que podia ser diferente, que podia ser bonito, ser prazeroso”, recorda. Assim, “foi pela maternidade que nos descobrimos feministas”.

Com a formação do coletivo, elas saiam em defesa do parto humanizado. Iam a feiras de gestantes e diziam a essas novas mães que tivessem voz ativa sobre a sua gravidez. Convergindo militância e arte, “a fotografia se tornou uma linguagem muito forte”, explica. Elas desenvolveram, então, um trabalho focado em “retratar o feminino e a mulher, encontrando sua potencialidade”, diz, completando que a forma como via a feminilidade retratada sempre lhe trouxe desconforto.

Os cliques e a nova perspectiva sobre o que é ser mulher na contemporaneidade as levaram até outros grupos ativistas. “A gente começou de curiosa... Queríamos chegar perto, saber o que estava acontecendo”. Logo vieram os primeiros contatos, ainda no campo artístico. “Conhecemos as meninas do ‘Negras Autoras’, do ‘Calcinha de Palhaça’...”, recorda. 

“Começamos a ir nos grupos, fazer fotos e vimos que esse material era muito potente”. Assim, surgiram as primeiras parcerias. “Com as moças do ‘A(r)mando o Black’ fizemos um calendário e uma exposição e com as meninas do coletivo de palhaças fizemos um calendário. Descobrimos que era possível unir nossa produção e, com a troca, criar algo novo”, pontua. Logo veio a ideia de um site – projeto que se tornou viável com a lei municipal de fomento à cultura.

“Além das produções artísticas, quisemos expandir”, comenta. “Fizemos uma convocação na internet e através de cartazes pela cidade inteira, inclusive lugares que a gente não frequentava, na tentativa de trazer outras propostas”, explica a artista plástica. Assim, encontrou desde grupos voltados para a construção civil, de faxineiras e de empreendedorismo.

Mais do que dar visibilidade, Lina acredita que o mapeamento abre novas possibilidades. “Muitas vezes, a demanda de um dos grupos é exatamente o que o outro oferece. Então, a troca pode acontecer de um jeito muito mais fácil”, aposta ela, que classifica o encontro entre os coletivos como virtuosas possibilidades de encontro.

Em teia

A ideia de que estes grupos distintos funcionem como uma rede é uma característica do que a pesquisadora Marlise Matos classifica como quarta onda do feminismo. “Coordenei pesquisa em 18 países da América Latina (“Justiça de Gênero na América Latina: Condicionantes e Desafios à Democracia na Região) em que observamos dois movimentos e um deles é justamente a horizontalização das pautas femininas. Hoje, no movimento sindical, LGBT, estudantil ou negro você vai encontrar a bandeira do feminismo”, explica ela. “O feminismo passa a se configurar como uma teia, uma coisa rizomática e vai penetrando todas as lutas sociais”, analisa.

O segundo movimento que cita parece, em um primeiro momento, paradoxal. Trata-se da verticalização do movimento. “As mulheres começam a investir em desconstruir o patriarcado dentro do Estado”, diz, citando que “ministérios e políticas para mulheres” têm se tornado mais comuns entre os países latinos.

Belo Horizonte vive exatamente estes dois momentos. Por um lado, a iniciativa do Coletivo Naiá, o Mulheres em Círculo, deixa esse funcionamento em rede, que Marlise chama de “fluxos horizontais do feminismo”, mais explícitos. Além disso, na cidade, a expressão do movimento também ecoou nas últimas eleições, garantindo vagas a representantes do feminismo na Câmara Municipal – como as vereadoras Áurea Carolina e Cida Falabella – e na Assembleia legislativa, como a deputada estadual Marília Campos.

Em ascensão, estes movimentos acontecem organicamente. Muitas vezes são organizações paralelas, sem que uma tome conhecimento da existência da outra. O mapeamento, portanto, “é muito interessante pra mostrar o que já vem acontecendo. Você vai ter feministas em todos os lugares, dentro do hip hop, da dança, da universidade, do campo…”, aponta. 

Há até aquelas que preferem não assumir a bandeira. “Essa ascensão gera, simultaneamente, um processo de estigmatização”. Para não serem associadas a um termo que pode até soar pejorativo, muitas preferem não se identificar como feministas, avalia Marlise. Todavia, apesar do receio, a prática cotidiana destas pessoas se soma à luta das mulheres. 

Arte e cultura no mapa

Coletivo Minas de Minas O coletivo surgiu a partir de mulheres grafiteiras que pintavam, cada uma individualmente, e enfrentavam os mesmo desafios, as mesmas questões e tinham visões e ideias próximas sobre o universo feminino e o movimento da arte urbana. Hoje, elas inspiram outras mulheres e fortalecem o trabalho de outras grafiteiras que iniciam ou estão na luta do fazer. 

Instagram: @minasdeminascrew

Coletivo Naiá O Naiá é um coletivo de criação, produção e desenvolvimento artístico com temática voltada para questões femininas que visa um encontro entre a fotografia, a arte e o universo feminino.

Instagram: @coletivo_naia

Coletivo Maya O coletivo de danças urbanas, dança africana e do femme style também visa o reencontro da autoestima e da autoconfiança de mulheres que se tornaram mães. Por meio de encontros, o Maya cria a possibilidade de mães terem um espaço para ativar e reconhecer o corpo e se redescobrirem como mulheres.
Instagram: @coletivomaya
Facebook: /coletivomaya

 

Empreendedorismo 

Mali Empreendedoras O coletivo promove ações em prol da equidade de gênero e raça através do empreendedorismo. Atualmente, o objetivo do Mali é fazer conexões, criar pontes entre mulheres para que elas se apoiem e produzam, em conjunto. 
Instagram: @maliempreendedoras
Facebook: /maliempreendedoras

Conecta Mães BH O Conecta Mães BH é uma rede de mães empreendedoras que buscam juntas criar e fomentar caminhos profissionais que respeitem o espaço de se educar e cuidar dos filhos. Ele incentiva mães a desenvolverem seus próprios negócios ou aprimorarem os que já possuem, por meio de encontros presenciais, workshops e geração de conteúdo em redes sociais.

Instagram: @conectamaesbh

Mulherio Networking O Mulherio Networking é uma rede de empreendedorismo feminino que tem como objetivo capacitar mulheres empreendedoras e fortalecer as parcerias entre elas, contribuindo para a alta performance, geração de renda e desenvolvimento do negócio por meio de apoio mútuo. As reuniões mensais conta com mulheres que apresentam suas metas, diretrizes e seus negócios.
Facebook: @MulherioNetworking

 

A cotidiana luta feminista

A luta pela emancipação feminina é histórica, contínua, plural e cotidiana. Faz parte do dia a dia, por exemplo, de Renata Aline, que trava guerra contra a exploração da mão de obra das diaristas. Já a psicóloga Cristiane Caldeira, do alto do Morro do Papagaio, na região Centro-Sul de BH, é uma das realizadoras da “Reunião das Mulheres”: evento que promove acolhimento e busca refletir sobre o que é “ser mulher moradora de favela em nossa sociedade”. Por sua vez, Carolina Jauet, a Krol, trabalha para abrir espaço e formar grafiteiras na cidade.

Diferentes entre si, estas iniciativas fortalecem a luta pela emancipação e empoderamento feminino na capital mineira. Projetos que, aliás, estão no site “Mulheres em Círculo”, idealizado pelo coletivo de artistas plásticas Naiá, que será lançado neste domingo (15).

Com apurado olhar histórico, Yumi Garcia, uma das coordenadoras do “Grupo de Estudo sobre o Feminismo, Gênero e Sexualidades da UFMG”, acredita que, de fato, o movimento feminista vem se espalhando em diversas frentes. “A geração que viveu o feminismo dos anos de 1960 e 1970 estão aí. As filhas e as netas delas também. Então, há uma convergência de ideias e práticas, de maneira que essa luta se torna mais aceita e mais pulverizada”, examina. Além disso, claro, a internet se impõe como peça chave. “Agora não precisamos ser muito especializadas ou letradas para ter contato e saber o que é o feminismo”, argumenta.

O crescente número de grupos de mulheres que vem se organizando na defesa de seus direitos, vale dizer, é também sinal de uma urgência. Caso do Coletivo Tereza de Benguela (em referência à líder quilombola que viveu no Brasil no século XVIII). Criado por Renata Aline em 2016, o projeto nasceu de um momento delicado em sua vida: desempregada por quatro anos, ela começou a fazer faxina para garantir seu sustento. 
Ao se aproximar dessas profissionais, vivenciou histórias de exploração e até casos de humilhação. O choque serviu de gatilho para que ela decidisse criar o coletivo – que hoje conta cinco integrantes. “Quero tirar essas pessoas da informalidade, dar treinamento sobre economia doméstica, suporte psicológico, trabalhista...”, enumera, reconhecendo ter dificuldades para avançar com as pautas.

“No Brasil, ainda falamos em um contexto escravagista em que a maioria das faxinas é feita por mulheres negras”, lembra ela. O que promove agora, diz, “é continuação do que a quilombola Tereza Benguela fez no seu tempo”.

No Morro do Papagaio um grupo de mulheres se reúne desde de 2004 para falar sobre seus direitos, refletir sobre o que significa ser uma mulher no espaço onde estão. Dança, desfile e longos bate-papos dão o tom dos encontros idealizados por Cristiane Caldeira. No início, é verdade, ela não sabia exatamente o que aquilo significava. Só entendia que fazia bem para todas as participantes e para a comunidade em geral. Naqueles encontros, ressentimentos ficavam para trás e mulheres que antes se viam inimigas passavam a se ver como iguais. Quando começou a cursar psicologia, Cristiane soube nomear. Então, empoderamento, emancipação e sororidade passaram a fazer parte de seu vocabulário.

“Começamos, em 2004, com sete amigas. No último sábado deste mês (dia 28), acontece a próxima reunião e devemos chegar a 70”, menciona. Hoje, Cristiane vê a “Reunião das Mulheres” como possibilidade de política pública. “Aqui vivemos uma situação de vulnerabilidade social. Quando uma criança comemora que pode brincar com a outra, que a mãe não é mais inimiga da mãe do coleguinha, estamos falando que deixou de existir um sentimento de vingança que vinha sendo interiorizado nestas crianças”, exemplifica ela, demonstrando como os encontros reverberam, inclusive, em uma melhoria na convivência e na redução da violência na comunidade.

Grafite

Com outras três amigas, a grafiteira Carolina Jauet, Krol, fundou, em 2012, o “Minas de Minas Crew”. “Quando começamos, éramos apenas seis mulheres que se dedicavam à arte urbana em toda cidade”, lembra ela. “Então, quatro delas se reuniu e criou essa linha de frente para expor nosso trabalho, mostrando para outras mulheres que elas também podiam, fazendo oficinas e, agora, já chegamos a reunir 24 artistas em um encontro no ano passado”, orgulha-se. Além de integrar mulheres no grafite, o “Minas de Minas Crew” leva a representatividade para suas obras. Já grafitaram, por exemplo, um retrato da atriz Teuda Bara, uma das fundadoras do Grupo Galpão. 

Debate através do teatro

Se o coletivo de artistas plásticas Naiá já construiu um banco de dados com mais de 150 movimentos pró-empoderamento feminino em BH, há ainda um espaço em seu site para que outros tantos projetos possam ser inscritos. Elas sabem, afinal, que este é um movimento contínuo e crescente.

Prova da organicidade e multiplicidade de movimentos que a cidade vem ganhando é o “Segunda Preta”, projeto que ainda não está no mapeamento do site Mulheres em Círculo. Embora abra espaço também para homens, o bem-sucedido projeto tem proposta feminista que partilha da “luta por emancipação para que a gente possa se entender mais como sujeitas que falam por si e compreendem o seu espaço na sociedade”, expõe a atriz e produtora Rainy Campos, uma das integrantes do movimento.

“Nos reunimos em um ‘bar-escritório de afetos’, atualmente na sede do Teatro Espanca!, e sempre homenageamos uma mulher negra e que esteja viva”, explica a artista. 

Já receberam preito nomes como Ruth de Souza, primeira dama negra do teatro, e Leda Maria Martins, escritora e pesquisadora e Rainha Conga. Na próxima segunda (16), a homenagem vai para Ana Maria Gonçalves, autora, entre outros, do livro “Um Defeito de Cor” (2006), que participará do evento.

De viés artístico, os encontros são lugar de apresentação de cenas, performances ou intervenções voltadas para o teatro. “Nós precisamos criar um espaço para compartilhar nossos trabalhos artísticos, construir pesquisa, pensar a construção estética do teatro negro”, aponta Rainy. Ela menciona que o projeto foi inspirado na Terça Preta, do Bando de Teatro Olodum, de Salvador. Da experiência belo-horizontina, surgiram a Segunda Crespa, em São Paulo, e a Segunda Black, no Rio de Janeiro.

Social, militância e educação

Se Toque O “Se Toque – Arte e Sexualidade” é um projeto que, desde 2014, ajuda educadores e responsáveis a falarem de sexualidade com crianças e jovens de forma simples e afetiva. Tudo é feito por meio de cursos, palestras, oficinas e produtos educativos, orientando a formação sexual e emocional de jovens e crianças.
(Instagram: @setoque.art)

Solta Minha Mãe O projeto tem como objetivo diminuir o número de mulheres gestantes, mães e avós em privação de liberdade. Para isso, levantam informações sobre mulheres em privação de liberdade e providenciam documentação necessária para elaborar requerimento de indulto. Além disso, o coletivo organiza debates sobre o tema. (Instagram: @soltaminhamae)

Movimento Bem Nascer Com objetivo de disseminar a cultura do parto humanizado, o movimento busca diminuir o número de cesarianas. Para tanto, oferecem cursos sobre cuidado com bebês, aulas de yoga para gestantes, atendimento psicológico no ciclo gravídico e outras técnicas que auxiliem no momento do parto.
(Instagram: @movimentobemnascer)