Empossado no cargo em maio de 2022, o atual procurador-geral do Ministério Público de Contas do Estado (MPCMG), Marcílio Barenco, afirmou ser favorável à adesão de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Em entrevista exclusiva a O Tempo, o procurador disse que esta é uma decisão sustentável a longo prazo e permitirá alívio financeiro  imediato às contas públicas. 

Responsável por chefiar a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Estado, Barenco destacou ainda a existência de impropriedade na elaboração e aprovação do projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021 e reforçou o descompasso da destinação das emendas parlamentares. Segundo o procurador,  mais de 50% das despesas de emendas impositivas foram realizadas em apenas quatro Regiões Intermediárias – Belo Horizonte, Juiz de Fora, Teófilo Otoni e Montes Claros. 

Na entrevista, o procurador falou também sobre os gastos do governo do Estado e sobre a fiscalização dos recursos proveniente do acordo referente à tragédia de Brumadinho. 

Confira a entrevista completa

Recentemente, o TCEMG afirmou que os gastos com a educação e a saúde não atingiram o mínimo exigido pela Constituição. Quais ações o MPC tem realizado para que seja cumprido o mínimo constitucional do orçamento para as áreas da saúde e da educação? Qual o desafio do MPC para essa fiscalização e eventuais punições?

De acordo com a Constituição da República, os Estados-membros devem gastar 25% de sua receita decorrente de impostos e transferências com a educação e 12% com a saúde. No exercício de 2020, o Estado de Minas Gerais aplicou 20,73% em educação e 11,57% em saúde, tendo suas contas aprovadas com ressalvas em parecer prévio a ser remetido ao Legislativo. Em 2021, o Estado de Minas Gerais aplicou 25,41% em educação e 12,55% em saúde, cumprindo, portanto, os limites constitucionais (contas pendentes de julgamento pelo TCEMG).

Anualmente, ao apresentar parecer na análise do Balanço do Estado, o Ministério Público de Contas afere a observância dos limites e, independentemente do resultado da análise dessas contas pelo Plenário do TCE, apresenta diversas orientações aos gestores, incluindo recomendação para o planejamento e bom uso dos recursos destinados a essas áreas, inclusive quanto à eficiência desses e de outros gastos.

Os desafios para a fiscalização são vários, que alcançam a própria complexidade das contas prestadas – dada a sua abrangência –, as dificuldades de verificação dos gastos de acordo com a legislação vigente, a análise da arrecadação e como melhor alocar os recursos disponíveis. Também é preciso considerar os obstáculos e as dificuldades reais dos gestores em cumprir os mínimos constitucionais, dívida pública pretérita e até mesmo o período da pandemia, quando houve necessidade de ajustes nas contas públicas em todo o País.

O descumprimento dos mínimos constitucionais pode ensejar a emissão de parecer prévio pela rejeição das contas. A propósito, o parecer desfavorável (pela rejeição) do Tribunal de Contas somente poderá ser afastado pelo Legislativo por decisão de dois terços dos membros do parlamento mineiro.

Em caso de emissão de parecer prévio pela rejeição das contas, são exigidas medidas compensatórias de investimentos em exercícios futuros, além da possibilidade de suspensão de transferências voluntárias e vedação à contratação de garantia com a União, podendo desaguar na inelegibilidade do gestor responsável, na possibilidade de intervenção federal e deflagração de processo por crime de responsabilidade ou improbidade administrativa. 

Nesse mesmo parecer, o TCEMG destacou também que o aumento da dívida consolidada líquida extrapolou o limite de alerta, chegando próximo ao limite máximo de endividamento. Como o senhor avalia o avanço de gasto do Estado com pessoal? Há solução para essa questão? Como o MPC pode atuar nessa questão? 

De fato, a Dívida Consolidada Líquida (DCL), no exercício de 2020, chegou a R$140,047 bilhões, frente a Receita Corrente Líquida (RCL), de R$70,580 bilhões de reais, sendo o percentual DCL/RCL de 198,42%. Portanto, acima do limite de alerta.

Já no exercício de 2021 apurou-se melhor resultado, quando a DCL do Estado informada foi de R$139,628 bilhões, em face de uma RCL de R$82,419 bilhões, apresentando relação DCL/RCL de 169,41%, isto é, abaixo do limite de alerta (contas pendentes de julgamento pelo TCEMG).

Quanto ao dispêndio com pessoal e encargos sociais no exercício de 2021, foram apurados gastos no importe de R$47,021 bilhões. A despesa representou, assim, 57,06% da RCL, excedendo, portanto, o limite prudencial, mas ficando abaixo (44,87%) do limite de 49% da despesa global estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

É necessário que os gastos com pessoal sejam realizados com responsabilidade e dentro dos limites legais, evitando-se aumentos não previstos, principalmente diante da atual situação fiscal do Estado de Minas Gerais, que é bastante delicada financeiraorçamentariamente. Ou seja, o Governo do Estado precisará atuar de acordo com o que preconiza e autoriza a LRF, em especial, em seu melhor esforço de gestão pública. Quando a despesa total com pessoal excede 95% do limite, a LRF estabelece proibições ao Poder Executivo, como a criação de cargo, emprego ou função e alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa, entre outras vedações.

O Ministério Público de Contas atua nessa questão manifestando-se nos processos de sua competência, fiscalizando o volume dos gastos, avaliando a necessidade de emissão de alerta e de monitoramento pelo Tribunal de Contas, além do envio de recomendações sobre medidas corretivas para a recondução aos limites legais da despesa com pessoal. Além disso, dentro da amplitude do escopo de atuação do MPC, é possível deflagrar procedimentos investigatórios adequados para apuração de irregularidades ou ilegalidades de que tenha ciência, bem como propor Termos de Ajustamento de Conduta de gestão pública.

Qual a avaliação do Senhor sobre a adesão de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal. É a solução, considerando a situação financeira do Estado? Como o senhor avalia as condições do RRF?

Em dezembro de 2021, o estoque da dívida do Estado de Minas Gerais com a União Federal estava em R$140,707 bilhões. O Regime de Recuperação Fiscal (RRF) é um auxílio criado para ajudar os Estados que enfrentam grave desequilíbrio financeiro, possibilitando benefícios como suspensão de pagamentos de dívidas com a União e a concessão de créditos.

Avalio que a adesão do Estado de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal é importante, pois ele usufruirá da suspensão do pagamento do serviço da dívida integralmente no primeiro ano de vigência, com a retomada progressiva. O Regime de Recuperação Fiscal também assegura o refinanciamento de todos os valores não pagos. Trata-se, portanto, de solução sustentável de longo prazo, pois, além de conceder o alívio financeiro imediato, possibilita ao Estado reestruturar suas finanças gradualmente, com o intuito de alcançar e manter o equilíbrio fiscal.

Em compensação, o Estado deve cumprir as exigências e vedações previstas em lei, que, de forma geral, restringem o aumento de despesas. No contexto mineiro, entendo que a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal se apresenta como perspectiva viável para o reequilíbrio das contas públicas e manutenção de serviços públicos essenciais. 

Qual seria a solução para Minas Gerais tendo em vista o caos financeiro? O que poderia ser feito? Qual é o maior gargalo do Estado quando o assunto é situação fiscal?

O equilíbrio das contas públicas, como já preconiza a Lei de Responsabilidade Fiscal desde o ano de 2000, envolve o corte de gastos desnecessários, a melhoria na gestão de despesas, o crescimento da receita e o aprimoramento na prestação de serviços, com impacto direto na vida da população. Nesse ponto, cumpre registrar que o Estado de Minas Gerais fechou o exercício de 2021 com superávit da execução orçamentária, após sucessivos déficits, considerando a receita arrecadada de R$129,00 bilhões e a despesa empenhada de R$128,89 bilhões.

Todavia, apesar do resultado primário positivo, o Estado tem dificuldades financeiras com o crescente endividamento, déficit previdenciário e insuficiência de caixa para liquidar todas as despesas. Sobre o “maior gargalo” do Estado quando o assunto é a situação fiscal, a principal dificuldade permanece sendo a dívida com a União Federal. Sem dúvida, a trajetória temerária da dívida do governo do Estado com a União representa riscos para a sociedade mineira e deficiência reflexa em políticas públicas indispensáveis. 

Como o MPC tem fiscalizado a destinação dos recursos do acordo referente à tragédia de Brumadinho? O MPC já identificou alguma irregularidade? 

O tema referente ao acordo do Estado de Minas Gerais com a empresa Vale foi objeto de fiscalização no Balanço Geral do Estado do exercício de 2021. As obrigações assumidas pela Vale dizem respeito à fixação de valores com atividades que a empresa executará e pagará diretamente e com atividades executadas pelo Poder Público ou pela empresa, mas que são pagas diretamente por ela. Quando repassados ao Estado, os recursos desse acordo deverão ser direcionados para conta específica, apartada da conta do Tesouro, com o objetivo de garantir a transparência e o rastreamento dos valores aplicados.

Os recursos devem ser aplicados pelo Poder Público em programas de mobilidade, como na implantação do Rodoanel e na complementação dos recursos federais para o metrô da Região Metropolitana; em programas de fortalecimento do serviço público, em contratações temporárias de pessoal, em estruturas de apoio e em projetos de segurança hídrica.

A receita auferida em 2021 no âmbito do acordo (R$3,405 bilhões) foi integralmente contabilizada como Receita de Capital. Todavia, houve a aplicação de Receitas de Capital em Despesas Correntes, que poderá ser considerada, em tese, descompasso com a Lei federal nº 4.320/1964 e a Lei de Responsabilidade Fiscal, somente após a emissão de parecer prévio pelo TCEMG. A legislação determina que receitas de capital somente podem ser gastas com despesas de capital, visando que o patrimônio público não seja dilapidado para pagar despesas com a manutenção e o funcionamento dos serviços públicos em geral, que possam, assim, não contribuir diretamente para a formação ou aquisição de patrimônio para o Estado. 

Sobre a fiscalização das emendas na Assembleia Legislativa, há alguma anormalidade? Como tem sido a fiscalização e o uso dessas emendas? 

A emenda parlamentar é o instrumento que permite aos deputados estaduais realizarem alterações no orçamento anual. Desde a edição das Emendas à Constituição do Estado de Minas Gerais nº 96/2018, 100/2019 e 101/2019, passou-se a constar a previsão do orçamento impositivo, referente às emendas parlamentares individuais e de bloco de bancada, as quais são de execução orçamentária e financeira obrigatória pelo Poder Executivo. Ou seja, o termo “orçamento impositivo” refere-se à parte do orçamento definida pelos parlamentares que não pode ser alterada pelo Poder Executivo.

Na fiscalização referente ao Balanço Geral do Estado - exercício de 2021, foi identificada pelo MPC a impropriedade na elaboração e aprovação do projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA). A Lei contém créditos em descompasso com o princípio orçamentário da discriminação, segundo o qual as receitas e despesas devem aparecer no orçamento de maneira discriminada, de tal forma que se possa saber, pormenorizadamente, a origem dos recursos e sua aplicação.

Além disso, em relação à execução da despesa, observou-se que entre os 853 Municípios do Estado de Minas Gerais, 827 (96,95%) foram contemplados com recursos advindos de emendas parlamentares. Todavia, mais de 50% das despesas de emendas impositivas foram realizadas em apenas quatro Regiões Intermediárias – Belo Horizonte, Juiz de Fora, Teófilo Otoni e Montes Claros –, que, juntas, possuem 392 Municípios, dos quais 380 receberam recursos das emendas, havendo necessidade de se implementar uma divisão mais equitativa de recursos advindos de emendas parlamentares entre os Municípios mineiros. 

Qual tem sido o foco do mandato do senhor? 

O foco tem sido atuar nas atribuições institucionais do MPC, que consistem na defesa dos interesses públicos, do erário, da proteção do patrimônio público, das necessidades da sociedade e do ordenamento jurídico.

As atividades realizadas para alcançar esses fins são diversas, tais como: apurar as denúncias recebidas no MPC, por meio dos seus canais de denúncia – que têm sido ampliados e divulgados; emitir recomendações aos órgãos e entidades das administrações públicas estaduais e municipais, para o aprimoramento da gestão; contribuir para o aperfeiçoamento dos processos de contas e dos mecanismos que o TCE dispõe para apreciar e julgar as contas dos administradores; assegurar o exercício pleno das funções do MPC, que são, não raras vezes, objeto de cerceamento; dar maior visibilidade às atividades e competências do MPC, como instrumento de combate à corrupção e às irregularidades identificadas no âmbito da Administração Pública mineira.

Também tenho procurado, juntamente com o Colégio de Procuradores do MPC, desenvolver práticas de controle externo propositivas, que impliquem cooperação, diálogo e solução negociada de conflitos. Além disso, para melhoria da eficiência e do desenvolvimento profissional, estão sendo promovidos pela Procuradoria-Geral cursos de capacitação presenciais e on-line para membros e servidores da instituição. 

Como trazer mais transparência para o setor público? 

A transparência no setor público é alcançada à medida que se garante ao cidadão o acesso aos dados públicos gerados e mantidos pelos governos, de forma rápida, simples e descomplicada. Ou seja, é preciso dar cada vez mais efetividade à Lei de Acesso à Informação, combater a desinformação, evitar a opacidade da gestão pública e as tentativas de criar mecanismos para sigilo ou segredo de dados.

Aos cidadãos deve ser assegurado o direito de conhecimento das contas públicas, incluindo as receitas arrecadadas e aquelas que são objeto de renúncia, o modo de aplicação dos gastos, o detalhamento da remuneração de servidores públicos, as prestações de contas, os contratos administrativos firmados e as licitações realizadas.

A publicidade e a transparência podem ser ampliadas pela utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação, contendo dados atualizados, disponíveis para acesso e mantidos à disposição do público nos sítios eletrônicos oficiais de forma descomplicada, autodidata e de fácil intelecção.