A condenação do ex-governador de Minas Fernando Pimentel (PT) a dez anos e seis meses de reclusão é considerada o primeiro caso de notoriedade após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que em março determinou que a Justiça Eleitoral podia julgar crimes como caixa 2 e corrupção desde que tivessem relações com delitos eleitorais. A competência de julgar crimes conexos foi, inclusive, citada na decisão pela juíza Divina de Paula Peixôto, da 32ª Zona Eleitoral de Belo Horizonte, responsável pela condenação do petista.
Pimentel foi condenado anteontem por tráfico de influência e lavagem de dinheiro. Embora a juíza determine que a pena seja cumprida em regime fechado, o petista poderá recorrer em liberdade. Caso a decisão seja transitada em julgada, o ex-governador poderá ter seus direitos políticos cassados. Pimentel foi condenado por práticas cometidas na época em que exerceu o cargo de Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, entre 2011 e 2014, durante a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
“Valendo-se de uma das atribuições da pasta, (Pimentel) teve acesso a discussões sobre investimentos privados realizados no país. Nessa condição, juntamente com Benedito Rodrigues de Oliveira Neto, praticou o tráfico de influência”, diz um trecho do processo, informando que, conforme a denúncia, Pimentel recebeu o empresário José Auriemo Neto, sócio da JHSF Incorporações, à época interessado na operação de aeroportos regionais.
Em 2012, segundo a denúncia, Benedito, a pedido do petista, solicitou R$ 200 mil em espécie para José Auriemo. Em 2013, a operação do aeroporto foi aprovada. No ano seguinte, Pimentel teria cobrado R$ 5 milhões de José Auriemo “a pretexto da influência deste na aprovação do pedido de outorga do aeroporto pela Secretaria de Aviação Civil”. A maior parte do valor foi encaminhada como doação ao PT, configurando lavagem de dinheiro. A campanha do petista ao governo de Minas, em 2014, recebeu parte do valor. Foi com base nessa relação entre as supostas ilicitudes que o caso chegou à Justiça Eleitoral.
Novidade
Professora de direito eleitoral da Fundação Getulio Vargas (FGV) e procuradora regional eleitoral do Rio de Janeiro, Silvana Battini diz que o caso do petista é o primeiro de grande relevância após a decisão do STF. Sem entrar no mérito da decisão, ela diz que a tendência de a Justiça Eleitoral aplicar penas altas – o que não acontecia anteriormente – vai depender da velocidade das investigações na Justiça Comum.
“A resposta da Justiça Eleitoral depende de quanto essas investigações já caminharam”, ressalta, pontuando que esse é o desafio dos juízes que julgavam exclusivamente casos eleitorais. Ela lembra que procedimentos como delação premiada e quebra de sigilo telefônico e bancário não são típicos da Justiça Eleitoral.
Professor do Departamento de Direito da UFMG, Fernando Gonzaga reforça a notoriedade da decisão e reafirma que a tendência de a Justiça Eleitoral passar a aplicar penas maiores vai depender de como a Polícia Civil, o Ministério Público e outros órgãos vão conduzir os casos.
O ex-governador ainda pode recorrer, em segunda instância, ao Tribunal Regional Eleitoral de Minas (TRE-MG). O caso pode seguir ainda para Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e para o Supremo Tribunal Federal. Além disso, aos 68 anos, Pimentel não será beneficiado pela redução do prazo de prescrição da pena. A medida só é válida se, na primeira condenação, a pessoa tiver 70 anos.
Penas eram menores antes da mudança
Na avaliação do professor de direito penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie Marco Aurélio Florenço, é natural que as decisões da Justiça Eleitoral resultassem em punições menores antes da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). “Até então, por julgar crimes exclusivos de sua competência, baseados no código e na lei eleitorais, que previam penas baixas, era comum. É o mesmo que acontece no Juizado Especial, onde não há penas altas porque julgam crimes de menor potencial ofensivo”, comparou.
Ele ressalta que a possibilidade de a Justiça Eleitoral julgar crimes conexos traz para o rol de análise todos os crimes tipificados no Código Penal. “Quando se leva em consideração todos esses delitos, a possibilidade de ter crimes e penas maiores é naturalmente maior”, diz.
Ainda segundo o especialista, a pena da Justiça contra o ex-governador Fernando Pimentel foi alta. “Não sei como se chegou aos dez anos. Precisaria analisar o processo, mas me parece uma pena alta, independente de qual Justiça seja competente para julgá-lo”, disse.
A pena para o crime de tráfico de influência é de dois a cinco anos. Para a lavagem de dinheiro, varia de três a dez anos. “Sendo réu primário e tendo bons antecedentes, as circunstâncias fazem com que as penas sejam estabelecidas próximas ao mínimo”, pontuou Marco Aurélio, comparando a condenação do ex-governador com a do ex-presidente Lula.
No caso do triplex do Guarujá, Lula foi inicialmente condenado a pouco mais de 12 anos por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas a pena foi reduzida para oito anos e dez meses pelo Superior Tribunal de Justiça.
Sentença foi “absurda e injusta”, diz Pimentel
Em nota, o ex-governador Fernando Pimentel (PT) classificou a sentença como “absurda, injusta e juridicamente insustentável”. “Não há no processo qualquer prova, (nem) sequer uma evidência objetiva, da minha culpa nos crimes pelos quais me condenam”, diz o petista, informando que as informações se baseiam em uma delação “questionável e contraditória”.
Pimentel diz que vai recorrer da decisão. “Até lá, manterei a firmeza e a serenidade que sempre marcaram minha trajetória”, afirma.
Também em nota, a JHSF diz que “não é parte neste processo e que não foi apresentada qualquer denúncia contra a companhia”. José Auriemo, por sua vez, esclarece que “firmou acordo com o Ministério Público, homologado pelo Superior Tribunal de Justiça e pela Justiça Eleitoral de Minas Gerais, que estabelece suspensão do processo mediante pagamento de R$ 1 milhão para o Hospital de Câncer de Barretos”. Ele diz que o valor já foi pago.