Embora considere impossível remover dos conselheiros tutelares as próprias vivências, interesses e valores, a coordenadora jurídica do Instituto Alana, Ana Claudia Cifali, defende que os ocupantes desses cargos sejam pessoas ligadas à causa, que conheçam o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e as resoluções do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).

Para ela, “a atuação do conselho vai depender essencialmente de quem são os conselheiros”. “A gente conhece casos de conselhos tutelares que atuam de forma que não está alinhada ao Estatuto da Criança e do Adolescente, e isso tem muita relação com os profissionais que estão ali, se são pessoas que estão preparadas, que estão alinhadas à legislação, ao estatuto, que estão colocando a sua visão pessoal ao exercer esse papel, porque todo mundo vai ter ideologia política ou religiosa, e isso não deve ser um impeditivo para atuar como conselheiro tutelar, mas o grande problema é quando essas visões começam a se impor acima da nossa legislação”, afirma.

Ana Claudia também levanta outros dois aspectos importantes que precisam ser levados em consideração quando se trata da eleição de conselheiros tutelares: primeiro, a existência de uma visão conservadora sobre o que é uma família e como esse grupo deveria se constituir e se comportar – o que se reflete em ações preconceituosas; além da instrumentalização do cargo como trampolim para alcançar postos parlamentares.

Todos esses problemas poderiam ser evitados se a autonomia – política, econômica, religiosa, institucional e dos meios de comunicação – dos conselhos tutelares fosse respeitada, o que nem sempre acontece, mesmo se tratando de uma prerrogativa legal prevista tanto no ECA quanto nas resoluções do Conanda.

Um exemplo disso é o caso que aconteceu em junho do ano passado, quando uma mulher perdeu a guarda da filha por determinação de uma conselheira tutelar em Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte, por frequentar um centro de umbanda. Os advogados da família conseguiram reverter a decisão depois de um mês – período em que a menina, de 12 anos, ficou longe da família, em um abrigo –, atestando que houve racismo religioso.

Para sanar esse tipo de situação, Wellington Amorim, coordenador executivo do Fórum Colegiado Nacional de Conselheiros Tutelares (FCNCT), acredita que é necessário abandonar ideologias para executar as tarefas como conselheiro tutelar. Ele menciona que “o termo ‘direitos humanos’ só existe no plural, não existe no singular”, e que o indivíduo só pode ser conselheiro tutelar se estiver disposto a “atender todos os direitos”.

“Quando o conselheiro tutelar toma posse, ele tem que estar apto a defender a população LGBTQIA+, os pretos, os pobres, a pessoa com deficiência, porque a temática da criança e do adolescente perpassa todas as outras temáticas (...). Quando eu coloco uma pessoa associada ideologicamente a um movimento que defende única e exclusivamente uma bandeira ou uma ideologia específica, essa pessoa deixa de ter perfil para ser conselheiro tutelar”, argumentou.

O Instituto Alana trabalha com programas próprios e parcerias para garantir condições para o desenvolvimento integral da infância em seus espaços de vivência.

Artigo define os requisitos para a função

Fabrício Souza Duarte, advogado especialista em direito público e constitucional, explica que o artigo 133 do ECA determina os requisitos para que alguém se candidate ao Conselho Tutelar – ter reconhecida idoneidade moral, ser maior de 21 anos e residir no município onde pretende exercer a função.

Ele acrescenta que as “leis municipais podem estabelecer outros critérios, desde que não deixem de contemplar o mínimo previsto no estatuto”, e alerta que “o Conselho Nacional da Criança e do Adolescente editou uma resolução com orientações para que os municípios regulamentem melhor a escolha dos conselheiros tutelares”.

O advogado especialista em direito público e constitucional defende a necessidade de uma legislação mais rigorosa a respeito do tema, passando por mudanças no ECA, o que dependeria de uma mobilização do Congresso.