O Ministério da Defesa confirmou o reforço do Exército em Roraima em função da tensão entre Venezuela e Guiana. Nos últimos dias, os dois países acirraram a disputa por um território conhecido como Essequibo – mesmo nome de um rio –, que abriga reservas de petróleo, ouro e outros recursos naturais, além de grande potencial hidrelétrico e é vizinho do Brasil. 

Cerca de 70% do total de 160 mil km² ficam na Guiana. Mas o regime de Nicolás Maduro quer anexá-lo à Venezuela. E marcou para o próximo domingo (3) um referendo para que os venezuelanos respondam sobre a criação da província “Guayana Esequiba” no território de Essequibo. A medida prevê a concessão da nacionalidade venezuelana a 125 mil habitantes da região de Essequibo.

Por outro lado, a Guiana considera a consulta popular uma ameaça à sua integridade territorial e busca ajuda internacional, o que a Venezuela vê como interferência em seus assuntos internos. Os Estados Unidos ameaçaram impor novas sanções ao governo de Maduro, que mandou mais militares para a as fronteiras com a Guiana e o Brasil.

Nesta sexta-feira (1º), juízes da Corte Internacional de Justiça ordenaram que a Venezuela se abstenha de tomar qualquer medida que altere a situação atual em Essequibo. Mas o tribunal não proibiu expressamente a Venezuela de realizar o referendo sobre os seus direitos à região em torno do rio Essequibo, como a Guiana solicitou.

Os dois países evocam acordos diferentes para resolver impasse

Venezuela e Guiana disputam a região de Essequibo desde 1966. A Guiana alega que um laudo de 1899, feito em Paris, estabeleceu as fronteiras atuais, que dão à ela a maior parte do território. 

Já a Venezuela diz que Essequibo é dela porque assim há um acordo firmado em 1966 com o Reino Unido, antes da independência de Guiana – que era uma colônia britânica –, no qual o laudo arbitral foi anulado e se estabeleceram bases para solução negociada. 

Para resolver o imbróglio, a Guiana quer a arbitragem da Corte Internacional de Justiça. A Venezuela, por sua vez, quer negociar diretamente com o país vizinho. 

Empresa dos EUA descobriu campos de petróleo na região

Em 2015, a disputa ficou mais acirrada, após a companhia norte-americana ExxonMobil descobrir campos de petróleo na região. São as maiores reservas de petróleo per capita do mundo.

Com tal informação, a Guiana lançou em dezembro de 2022 a primeira rodada de licitações para explorar 11 campos petrolíferos em águas rasas e outros três em águas profundas e ultraprofundas. A Venezuela rejeitou as licitações, classificando-as como “ilegais” por envolverem “áreas marítimas pendentes de delimitação”.

Brasil quer impedir trânsito de militares venezuelanos

Tanto a Venezuela quanto a Guiana fazem fronteira com o Brasil e são banhadas pelo Oceano Atlântico. Pacaraima (RR) é a cidade mais próxima da tríplice fronteira e do território em disputa. Por isso o Ministério da Defesa mandou mais militares para lá. A intenção é “evitar qualquer trânsito de militares venezuelanos pelo território brasileiro”.

A unidade do Exército em Pacaraima conta com 70 militares. Ela recebeu na quarta-feira (29) mais 60 – ou seja, o reforço praticamente dobrará o efetivo. A cidade roraimense também é porta de entrada para imigrantes, principalmente venezuelanos. No primeiro trimestre de 2023, cerca de 39.369 entraram no Brasil através de Pacaraima. De lá, seguem para a capital ou outras cidades. Pacaraima tem 19.305 habitantes, segundo o IBGE.

Já a cidade brasileira mais perto da Guiana é Bonfim, 124 km distante de Boa Vista, a capital de Roraima. Ela não recebeu reforço de militares brasileiros. Bonfim fica na divisa com Lethem, cidade guianense considerada o “paraíso das compras baratas”, com leis fiscais bem menos rígidas do que no Brasil. Já Georgetown, a capital guianense, fica a 680 km de Boa Vista.

Lula busca um diálogo com os dois lados

Diante do aumento da tensão, além de enviar mais militares à Pacaraima, o governo brasileiro decidiu dialogar com os dois lados. Estava prevista para esta sexta-feira uma reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o presidente da Guiana, Irfaan Ali, às margens da COP 28, em Dubai, no momento em que o Brasil, no entanto, o encontro não ocorreu. 

Na semana passada, o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Celso Amorim, viajou a Caracas para tratar do tema com Nicolás Maduro. Amorim pediu a Maduro para buscar o diálogo e baixar o tom sobre as ameaças de invasão territorial sob o argumento de que um conflito entre os dois países pode criar “uma situação de instabilidade regional”.

Enquanto Amorim estava na Venezuela, Lula conversou, por videoconferência, com Irfaan Ali. Foi um contato classificado como “urgente” e marcado de última hora para tratar da crise. O ministro das Relações Exteriores da Guiana, Robert Persaud, disse que os presidentes discutiram “cooperação de Defesa e militar, o respeito à soberania e à integridade territorial, além de tratar do respeito às leis internacionais”.