Luta por direitos

Indígenas fazem marcha em Brasília e Lula deve receber lideranças no Planalto

Lideranças de diferentes etnias deverão ser recebidas por Lula no Planalto, onde será apresentada a carta de reivindicações do movimento

Por Renato Alves
Publicado em 25 de abril de 2024 | 12:14
 
 
Na segunda-feira (22), primeiro dia do evento, a Articulação Nacional dos Povos Indígenas (Apib), anunciou que a principal pauta deste ano é a luta contra o marco temporal Foto: Evaristo Sá/AFP

Milhares de indígenas são esperados em marcha pelo Eixo Monumental até a Praça dos Três Poderes, em Brasília, na tarde desta quinta-feira (25). Lideranças de diferentes etnias deverão ser recebidas no Palácio do Planalto, onde será apresentada a carta de reivindicações do movimento com demandas endereçadas ao governo federal.

Organizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a marcha tem o lema “Nosso Marco é Ancestral: Sempre Estivemos Aqui!” e o intuito para pressionar pela demarcação de territórios. Ela integra a programação do 20º Acampamento Terra Livre (ATL), a maior manifestação indígena do Brasil e maior evento de povos tradicionais do mundo. 

Na segunda-feira (22), primeiro dia do evento, a Articulação Nacional dos Povos Indígenas (Apib), anunciou que a principal pauta deste ano é a luta contra o marco temporal. Na terça-feira (23), houve uma primeira marcha, que terminou em frente ao Congresso Nacional, onde foi entregue a pauta de reivindicações que cabe aos parlamentares. 

O marco temporal determina que os indígenas teriam direito à demarcação de terras apenas se estivessem ocupando essas áreas até a data da promulgação da Constituição, em outubro de 1988. Essa tese foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro do ano passado. No entanto, o Congresso aprovou uma lei que manteve o marco temporal. 

Nesta quinta-feira, além de indígenas, participam da caminhada até o Planalto integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) e do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS). “A luta pela terra não é só dos povos indígenas”, ressaltou Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Apib. 

“O que estamos pedindo é o direito ao acesso à terra e ao território, não só dos povos indígenas, mas também de outros segmentos que fazem essa luta. Então essa marcha, o dia de amanhã (quinta-feira), vai marcar um momento histórico dessa união de forças que lutam pela vida, que são todos os movimentos sociais que estão lutando e militando em favor da vida”, ressaltou.

Lula assinou decretos há uma semana

Na última quinta-feira (18), Lula assinou os decretos de homologação de dois territórios: Aldeia Velha, na Bahia, e Cacique Fontoura, em Mato Grosso. A iniciativa, às vésperas do Dia dos Povos Indígenas, frustrou a expectativa de parte do movimento indígena, que esperava o reconhecimento federal de outros quatro territórios.

Após encontros com congressistas e Lula, os indígenas buscam também uma reunião com o ministro Alexandre de Moraes, do STF, e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para discutir a questão das cotas de candidaturas indígenas nas eleições.

Confira abaixo as 25 reivindicações dos povos indígenas que serão entregues aos Três Poderes da República:

Ao Poder Executivo

  • 1. Demarcação imediata das Terras Indígenas Morro dos Cavalos (SC), Toldo Imbu (SC), Xucuru Kariri (AL) e Potiguara de Monte-Mor (PB), anunciadas entre as terras indígenas que seriam homologadas nos primeiros 100 dias de mandato, conforme indicado no relatório do Governo de Transição.
  • 2. Finalização do processo de demarcação das 23 Terras Indígenas cujos processos administrativos de demarcação aguardam apenas a portaria declaratória, e que estão na relação enviada pelo Ministério dos Povos Indígenas ao Ministério da Justiça à época da reforma ministerial de 2023.
  • 3. Determinação política e dotação orçamentária para o prosseguimento da demarcação, homologação, proteção e garantia da posse plena e permanente de todas as Terras Indígenas existentes em todas as regiões e biomas do Brasil: Cerrado, Pampa, Pantanal, Caatinga, Mata Atlântica e Amazônia.
  • 4. Fortalecimento do Ministério dos Povos Indígenas, Funai e Sesai com dotação orçamentária robusta e compatível com os desafios de fortalecer as políticas e ações voltadas para os povos indígenas.
  • 5. Maior empenho do governo federal para interromper a agenda anti-indígena no Congresso Nacional, com compromisso concreto da Casa Civil e do Ministério de Relações Institucionais e das lideranças do governo no parlamento, no Senado e na Câmara dos Deputados.
  • 6. Garantir o fortalecimento do Subsistema da Saúde Indígena por meio da Sesai e impedir a municipalização das políticas e ações voltadas para os povos indígenas na área da saúde. Garantir, no âmbito de quaisquer políticas públicas de saúde, o Controle Social para a Saúde Indígena, com a participação efetiva dos conselhos locais, distritais, fórum de presidentes dos Condsi’s e do movimento indígena.
  • 7. Criar a secretaria específica para a Educação Escolar Indígena, no âmbito do Ministério da Educação, para a gerir as políticas públicas voltadas para os povos indígenas e articular um sistema próprio, composto por equipes formadas por indígenas e especialistas, assegurando recursos financeiros específicos para implantação e funcionamento do sistema, valorização dos profissionais e formação continuada.
  • 8. Introduzir o ensino médio e técnico profissionalizante nas escolas indígenas, proporcionando uma formação mais abrangente e alinhada com os projetos societários dos povos indígenas. Bem como garantir o acesso e a permanência de estudantes indígenas ao ensino superior e à pós-graduação, com inclusão dos saberes tradicionais e línguas indígenas nos planos político-pedagógicos.
  • 9. Assegurar a autoaplicabilidade da Convenção 169 da Organização Internacional Do Trabalho (OIT), no tocante ao direito de consulta livre, prévia e informada sobre quaisquer medidas administrativas e legislativas que nos afetem, tais como a instalação de empreendimentos nos nossos territórios, que nos exclui da fase de planejamento, monitoramento e avaliação, e políticas diversas decorrentes na nova economia verde. É fundamental que o governo respeite os protocolos comunitários produzidos coletivamente pelos nossos povos
  • 10. Garantir a implementação efetiva dos espaços institucionais de participação e do controle social, respeitando a autonomia dos nossos povos e das suas instâncias legítimas de representatividade.
  • 11. Instituir uma Política de segurança e proteção territorial específica que priorize a repressão e eliminação rigorosa de todo tipo de organizações criminosas que acirram conflitos e a violência contra os nossos povos e territórios, intimidando as nossas comunidades, perseguindo e assassinando as nossas lideranças.
  • 12. Reestruturar de forma efetiva o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), de modo que haja adequação orçamentária necessária, seja considerada a especificidade das lideranças indígenas ameaçadas, seja dada atenção por parte do Governo Federal aos problemas políticos nas relações com estados federados e órgãos de segurança pública para a implantação de medidas protetivas e se consiga estabelecer um diálogo pedagógico com o Sistema de Justiça para sensibilizar e instrumentalizar os operadores do Direito a respeito da pauta dos defensores e defensoras de Direitos Humanos.
  • 13. Financiar os Planos de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas como alternativa comunitária de conter o avanço da mineração industrial e do garimpo em terras indígenas.
  • 14. Implementar medidas para eliminar os impactos da cadeia de produção e exportação de commodities nos territórios indígenas, incluindo a adoção de um sistema nacional de rastreabilidade e o endosso a regulações internacionais que busquem promover a cadeias produtivas livres de desmatamento e de violações de direitos. Além disso, refutar acordos bilaterais ou multilaterais que promovam a expansão da fronteira agrícola, como o Acordo de Livre Comércio Mercosul – União Europeia.
  • 15. Fomentar a sustentabilidade econômica dos nossos territórios, estimulando e financiando as múltiplas formas de produção indígena. Uma forma eficaz de promover a proteção territorial contra os arrendamentos, a agricultura extensiva que utiliza agrotóxicos e as invasões de grileiros, madeireiros e diversas organizações criminosas. Precisamos gerar renda e valorizar os conhecimentos ancestrais de nossos povos que vivem em equilíbrio com o meio ambiente há gerações.
  • 16. Criar políticas públicas específicas para mulheres, jovens e pessoas indígenas em contexto urbano, com a finalidade de enfrentar as vulnerabilidades vivenciadas, considerando as diversidades e a organização social de cada povo.
  • 17. Impulsionar a descarbonização da matriz energética brasileira, com incentivo às energias renováveis que previnam e reparem danos socioambientais, com o devido respeito aos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais, de modo a proteger nossos modos de vida, tradicionalidades e biodiversidades da produção em larga escala de energia. A produção de energia limpa deve, portanto, incluir entre as salvaguardas o controle público do uso da terra, a obrigatoriedade de realização da consulta prévia, do EIA/RIMA, o monitoramento dos empreendimentos e a reparação integral dos danos causados.
  • 18. Consolidação da experiência do Comitê de Desintrusão, derivado das conquistas judiciais do movimento indígena na ADPF 709, em política pública de Estado, que regulamente e preveja orçamento para a desintrusão de todas as terras indígenas invadidas.
  • 19. Esforço interministerial para a implementação da Convenção de Minamata no Brasil, garantidos os espaços para a efetiva participação indígena neste processo e o compromisso do poder público com a apresentação de medidas e respectivo orçamento para a recuperação dos territórios indígenas contaminados pelo mercúrio utilizado no garimpo ilegal.

Ao poder legislativo

  • 20. Retirada de tramitação e arquivamento definitivo das Propostas de Emenda à Constituição que desconstitucionalizam os direitos indígenas, a exemplo da PEC 132/2015, PEC 48/2023, PEC 59/2023 e PEC 10/2024, tendo em vista que os direitos indígenas são cláusulas pétreas e não podem sofrer retrocessos mesmo na forma de propostas de emenda à Constituição Federal.
  • 21. Interromper o genocídio legislado e aprovar projetos de lei que garantam direitos aos povos indígenas, tornando a PNGATI uma política de Estado (PL 4347/2021), reconhecendo os Agentes Indígenas de Saúde e Agentes Indígenas de Saneamento no Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (PL 3514/2019), viabilizando medidas de enfrentamento às violências contra as mulheres indígenas (PL 4381/2023) e garantindo cotas para pessoas indígenas em concursos públicos federais, estaduais e municipais (PL 4386/2019, PL 5.476/2020 e PL 1.958/2021).
  • 22. Ratificação do Acordo de Escazú pelo Estado brasileiro, para comprometer o Brasil internacionalmente com a defesa do meio ambiente e de seus defensores e aumentar a transparência e a participação social na tomada de decisões ambientais e climáticas.

Ao poder judiciário

  • 23. Declaração imediata da inconstitucionalidade da Lei no 14.701/2023 pelo STF para conter as violências contra os povos indígenas, reafirmando o Direito Originário e excluindo em definitivo a aplicação da tese do Marco Temporal, em consonância com a decisão do julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365.
  • 24. Regulamentação da Consulta em que o TSE reconheceu o direito de candidaturas indígenas à reserva de fundos e de propaganda partidária, para impulsionar o aldeamento da política institucional a partir das eleições municipais de 2024, ampliando a bancada do cocar nos poderes legislativo e executivo. Além da autodeclaração das candidaturas indígenas, o movimento indígena reivindica que haja a declaração de lideranças indígenas que atestem o pertencimento étnico da pessoa candidata segundo os usos, costumes e tradições de cada povo.
  • 25. Garantir o acesso à justiça dos povos indígenas, por meio da obrigatoriedade de atuação de intérpretes da línguas maternas e da elaboração de laudo antropológico que leve em conta o entendimento da comunidade indígena sobre a conduta típica imputada pela justiça criminal e observe nossos mecanismos próprios de julgamento e punição.