Lava Jato

Provas para os EUA contra Petrobras e fundo privado; o que CNJ alega sobre Moro

Relatório da PF que embasa corregedor do CNJ contra Moro, outros juízes e procuradores da Lava Jato diz que eles articularam para firmar acordos para direcionar dinheiro para entidade privada gerida por integrantes da força-tarefa

Por Renato Alves
Publicado em 16 de abril de 2024 | 14:57
 
 
Deltan Dallagnol e Sergio Moro: o ex-procurador e o ex-juiz são alvos de investigação sobre atuação na Lava-Jato Foto: Reprodução

Relatório elaborado pela Polícia Federal (PF) e entregue ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta que integrantes da força-tarefa da Lava Jato e magistrados que atuavam nos processos decorrentes da investigação, incluindo o hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR), articulavam para direcionar dinheiro devolvido de supostos casos de corrupção para uma entidade privada gerida por procuradores autores das denúncias.

O dinheiro oriundo de acordos de leniência deveriam ir para a Petrobras e da estatal para a tal entidade privada, o que é ilegal, conforme o documento do CNJ. Ao todo, juízes e procuradores teriam tentado direcionar para o fundo, de forma irregular, R$ 2,5 bilhões. Em nota, Sergio Moro nega irregularidades e afirma que cerca de R$ 2,2 bilhões foram devolvidos à Petrobras sem que “nenhum centavo tenha sido desviado”.

Na segunda-feira (15), com base no relatório da PF, o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, afastou das funções quatro juízes que atuaram na Lava Jato, incluindo Gabriela Hardt, que substituiu na 13ª Vara Federal de Curitiba, quando ele abriu mão da magistratura para se tornar ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro (PL). 

A decisão dele está na pauta de julgamento do CNJ desta terça-feira (16) – os demais integrantes do colegiado podem manter o afastamento ou autorizar a volta dos magistrados aos cargos –, assim como a reclamação disciplinar contra Moro por suas ações na Lava Jato. 

“Ao contrário da menção ao atendimento do ‘interesse público’ e da ‘sociedade brasileira’, as cláusulas do acordo de assunção de compromissos firmado entre força-tarefa e Petrobras prestigiavam a Petrobras, a força-tarefa, em sua intenção de criar uma fundação privada, um grupo restrito de acionistas minoritários, delimitados por um critério eleito pelas partes”, diz trecho do relatório. 

O relatório de inspeção da Corregedoria do CNJ diz ainda que os Estados Unidos obtiveram irregularmente provas contra a Petrobras sem objeção de procuradores da força-tarefa da Lava Jato. Esse material subsidiou o governo norte-americano na construção de um caso criminal contra a companhia brasileira, ainda segundo o relatório de Salomão.

Entenda o caso e confira abaixo o que há contra Moro no relatório que embasa a posição do corregedor nacional de Justiça:

  • O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apura as ações de juízes da 13ª Vara Federal de Curitiba na época da Operação Lava Jato. Moro é um dos investigados.
  • Relatório indica falta de transparência, imparcialidade e prudência dos magistrados. Diz ainda que foi encontrada uma “gestão caótica” nos valores de acordos de leniência e de delação premiada. 
  • Documento do CNJ afirma que houve um conluio de magistrados brasileiros em acordos no exterior para que a Petrobras pagasse valores que retornariam para a força-tarefa da Lava-Jato.
  • Isso, segundo o relatório, ocorreria a partir de processo sigiloso, aberto por Moro, que mandava repassar à Petrobras valores oriundos de multas e acordos de leniência de empresas alvos da Lava-Jato.
  • Além de Moro, a corregedoria do CNJ aponta que a juíza Gabriela Hardt, substituta dele, violaram os deveres de transparência e imparcialidade ao autorizar sem critérios objetivos o repasse de R$ 2,5 bilhões.
  • Foi Hardt quem homologou o acordo de leniência da Petrobras em 2019. Ao CNJ, ela admitiu ter conversado antes com o procurador Deltan Dallagnol sobre o tema. Para o CNJ, isso não deveria ocorrer.
  • O acordo envolveria representantes do governo dos EUA e da Petrobras, com participação informal de procuradores brasileiros, sem comunicação ou participação da autoridade central de cooperação, ou mesmo da União.
  • O objetivo era a criação de uma fundação privada (50%) e para acionistas da empresa (50%) que tivessem ajuizado ações de reparação ou arbitragens até 8 de outubro de 2017. 
  • À época, foi divulgado que o Departamento de Justiça dos EUA e a SEC (órgão regulador do mercado de capitais americano) concordaram em abater até 80% da multa aplicada à Petrobras (que totaliza US$ 853,2 milhões ou R$ 3,28 bilhões) se o dinheiro fosse usado para recompor danos à sociedade brasileira.
  • Já as provas colhidas no acordo entre o MPF e a Petrobras subsidiaram o governo dos EUA na construção de um caso criminal contra a companhia brasileira.
  • Dessa forma, segundo o relatório do CNJ, “exigências legais foram flexibilizadas” para que os depoimentos prestados por colaboradores fossem conduzidos “da maneira mais adequada aos interesses das autoridades americanas, apesar de formalmente presididas por procuradores brasileiros”.
  • Entre outros exemplos de exigências ignoradas estão a ausência de produção de termos de depoimento ou de registros do teor da entrevista, em razão do pedido das autoridades norte-americanas.
  • Tudo foi feito apesar de alerta da Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República (PGR), que advertiu os procuradores da República em Curitiba, ainda conforme o CNJ.

O relatório que é assinado por um delegado da PF e embasa o corregedor nacional de Justiça diz que a fundação que seria criada pelos integrantes da força-tarefa da Lava Jato, com aval de Moro e Hardt, só não foi adiante por causa de decisões judiciais que anularam acordos de leniência. Também aponta os interesses pessoais e políticos dos integrantes da Lava Jato. 

Depois de se tornar ministro da Justiça, Moro foi eleito senador e Deltan virou deputado federal, ambos pelo Paraná, o berço da Lava-Jato. Na esteira da Lava-Jato, Rosângela Moro, esposa de Sergio Moro, foi eleita deputada federal por São Paulo.

“Os objetivos da fundação que seria criada já indicavam que a constituição do ente privado e a gestão dos recursos seriam mais um expediente dentro de um conjunto de ações com foco no protagonismo pessoal, seja diretamente pelas repetidas exposições de alguns dos atores, seja indiretamente pelo fortalecimento do modelo de atuação da própria força-tarefa da Lava Jato, o que favorecia a projeção individual inclusive no campo político, em convergência com o fim primeiro da fundação que seria criada: a promoção da formação de lideranças e do aperfeiçoamento das práticas políticas. A pessoalidade de todo esse esforço foi posteriormente concretizada pela migração do então juiz Sérgio Moro e do então procurador Deltan Dallagnol para atividade político-partidária”, diz o relatório da PF.

Confira abaixo a nota completa do senador Sergio Moro:

“O fato objetivo descrito no relatório provisório da Corregedoria do CNJ – ainda pendente de aprovação – é que foram devolvidos diretamente de contas judiciais da 13 Vara de Curitiba para a Petrobras, vítima inequívoca dos crimes apurados na Operação Lava Jato, cerca de R$ 2,2 bilhões, sem que nenhum centavo tenha sido desviado. Idêntico procedimento foi adotado pelo STF à época.

O juiz Sergio Moro deixou a 13ª Vara em outubro de 2018, antes da constituição da fundação cogitada para receber valores do acordo entre a Petrobras e autoridades norte-americanas e jamais participou da discussão ou consulta a respeito dela. A especulação de que estaria envolvido nessa questão, sem entrar no mérito, não tem qualquer amparo em fato ou prova, sendo mera ficção.”