As emissões brasileiras de gases de efeito estufa em 2020 cresceram 9,5%, enquanto no mundo inteiro elas despencaram em quase 7% devido à pandemia de Covid-19.
O dado vai contra o compromisso de redução da emissão de gases de efeito estufa, assumido pelo país há mais de uma década no Acordo de Paris, o principal e mais atualizado tratado internacional contra as mudanças climáticas causadas pelo homem.
O Brasil registrou, em 2020, o maior montante de emissões desde 2006. Com o aumento da emissão e a queda de 4,1% no Produto Interno Bruto (PIB), o Brasil ficou mais pobre e poluiu mais, de acordo com os responsáveis pela pesquisa.
A informação consta na mais recente estimativa do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, divulgado nesta quinta-feira (28). Todo ano ele calcula quanto o Brasil produziu de poluição climática.
A emissão de gases de efeito estufa está no centro da crise climática que levou países a adotarem o compromisso, no Acordo de Paris, de estabilizar o aquecimento da Terra em 1,5°C neste século.
"A janela para que isso ocorra, segundo o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), é estreita: o mundo inteiro precisaria derrubar suas emissões em 7,6% ao ano todos os anos entre 2021 e 2030", alertam os especialistas do SEEG.
Dos cinco setores da economia que respondem pelas emissões do Brasil, três tiveram alta
Em sua nona edição, o SEEG calculou em 2,16 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente (GtCO2e) as emissões nacionais brutas no ano passado, contra 1,97 bilhão em 2019. É o maior nível de emissão do país desde 2006.
Descontando as remoções de carbono por florestas secundárias e áreas protegidas, as emissões líquidas do país no ano passado foram de 1,52 GtCO2e, o que representou um aumento de 14% em relação a 2019, quando elas foram de 1,34 GtCO2e (veja box).
Dos cinco setores da economia que respondem pelas emissões do Brasil, três tiveram alta, um teve queda e um permaneceu estável.
O setor de energia, que respondeu por 18% das emissões do país no ano passado, teve uma queda forte, de 4,6%. Isso ocorreu em resposta direta à pandemia, que nos primeiros meses de 2020 reduziu o transporte de passageiros, a produção da indústria e a geração de eletricidade. Com 394 milhões de toneladas de CO2e, o setor energético retornou aos patamares de emissão de 2011.
As emissões da agropecuária, que abarcaram 577 milhões de toneladas de CO2e (27% do total nacional) em 2020, também sofreram uma alta, de 2,5%.
É a maior elevação desde 2010 num setor cujas emissões nos últimos anos vêm oscilando pouco. Isso ocorreu em parte por uma razão contraintuitiva: a crise econômica diminuiu o consumo de carne, com uma redução de quase 8% no abate de bovinos.
O rebanho nacional aumentou em cerca de 3 milhões de cabeças, o que, por sua vez, aumentou também as emissões de metano por fermentação entérica (o popular “arroto do boi”).
No setor de resíduos as medidas de quarentena também possivelmente (ainda há incertezas sobre o efeito) aumentaram as emissões, principalmente pela disposição de lixo em aterros sanitários e lixões (já que estimativas não oficiais indicam que a geração de resíduos sólidos municipais aumentou cerca de 10% no ano de 2020) e de esgoto doméstico.
O crescimento no setor foi de 1,8%, saindo de 90,4 milhões para 92 milhões de toneladas de CO2e.
Os processos industriais, representados sobretudo pela fabricação de aço e cimento, atividades altamente emissoras, permaneceram estáveis em suas emissões mesmo na pandemia. O setor oscilou de 99,5 milhões para 99,7 milhões de toneladas de 2019 para 2020, representando 5% das emissões totais do Brasil.
Aumento em plena pandemia, quando produção industrial caiu
Quem puxou a curva para cima e tornou o Brasil possivelmente o único grande poluidor do planeta a aumentar suas emissões no ano em que o planeta parou foi o setor de mudança de uso da terra.
Representadas em sua maior parte pelo desmatamento na Amazônia e no Cerrado (que, somados, perfazem quase 90% das emissões do setor), as mudanças de uso da terra emitiram 998 milhões de toneladas de CO2e em 2020, um aumento de 24% em relação a 2019 (807 milhões).
Num cenário de desmonte da fiscalização ambiental e de descontrole sobre crimes como grilagem, garimpo e extração ilegal de madeira no governo Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia em 2020 sofreu uma alta expressiva, atingindo 10.851 km2 segundo os dados do sistema Prodes/Inpe.
O SEEG usa nas suas estimativas os dados do consórcio MapBiomas, que mede também o corte de florestas secundárias e usa uma série temporal diferente da do Inpe (o MapBiomas considera janeiro a dezembro e não de agosto a julho, como faz o Prodes). No entanto, a tendência apontada é similar em ambos os sistemas.
Apenas na Amazônia a emissão por alterações no uso do solo alcançou no ano passado 782 milhões de toneladas de CO2e. Se a floresta brasileira fosse um país, seria o nono maior emissor do mundo, à frente da Alemanha. Somando o Cerrado (113 milhões de toneladas de CO2e) à conta, os dois biomas emitem mais que o Irã e seriam o oitavo emissor mundial.
Bolsonaro não deve participar da COP26
Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou que não deve participar da 26ª Conferência das Nações Unidas para a Mudança do Clima (COP26), que começa no domingo (31) em Glasgow, na Escócia.
“A princípio eu não vou, não. É uma estratégia nossa, o nosso ministro do Meio Ambiente [Joaquim Leite] vai. E é um local que nós já assumimos compromisso, estamos cumprindo”, disse em entrevista à TV A Crítica, na noite de quarta-feira (27).
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