No ano em que completou três décadas de existência, a Constituição mineira recebeu o maior número de Propostas de Emenda Constitucionais (PECs) desde 2003. Em 2019, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) apresentou 48 PECs, conforme levantamento feito por O TEMPO. Os dados consideram as propostas apresentadas até o dia 12 de dezembro. A maior parte delas segue em tramitação na Casa, e cinco foram aprovadas neste ano. Uma foi arquivada.
Na avaliação dos líderes da ALMG, o alto número de emendas à Carta Magna mineira é natural. “É uma legislatura nova, com um novo perfil, e através dos estudos verificou-se a necessidade de alterar a Constituição”, afirmou o deputado Cássio Soares (PSD). Líder do bloco independente Liberdade e Progresso, ele não acredita que as PECs possam enfraquecer o texto constitucional. “São respostas contundentes aos anseios da sociedade. Quando a gente percebe que existe um governo que nega a política, como estão sendo, de certo modo, os governos atuais, essa resposta pode vir através dessa sistemática”.
O parlamentar cita a PEC 30/2019, de sua autoria, que obriga o Estado a cumprir as metas de ensino integral estabelecidas no Plano Estadual de Educação. Ele apresentou a medida após o governo ter anunciado, no início do ano, que iria cortar 70% das vagas de ensino integral, conforme revelou O TEMPO na época. O texto segue tramitando na ALMG.
Sávio Souza Cruz (MDB) ressalta que é natural um aumento no número de PECs nos primeiros anos de novas legislaturas.
O levantamento da reportagem mostra que, de fato, o pico de novas PECs é registrado sempre no primeiro ano de mandato dos parlamentares . “Sou favorável aos textos constitucionais mais duradouros”, diz, ressaltando que muitas medidas tomadas pela ALMG buscam adequar a Carta Magna mineira às novas normas da Constituição Federal. “Eu acho que as propostas poderiam ter sido agrupadas”, sugere o emedebista, em vez de haver vários textos sobre determinado tema.
Temas
Conforme o levantamento, a segurança pública foi a área que mais recebeu projetos de emenda constitucional: são cinco PECs em tramitação. Outros temas abordados foram o Orçamento do Estado e o ensino integral. “Aí é compreensível. Às vezes o deputado quer preservar certa autoria. Mas é preciso respeitar a iniciativa do parlamentar, que quer dar publicidade a isso”, ponderou Sávio Souza Cruz.
Para ser aprovada na ALMG, qualquer PEC precisa ser chancelada por três quintos dos parlamentares, em dois turnos. Na prática, é necessário o apoio de 47 dos 77 deputados estaduais. A tramitação também é diferente daquela de um projeto de lei simples, sendo criadas comissões especiais para analisar cada emenda constitucional.
Uso na campanha
Além da necessidade de adequar o texto constitucional às mudanças da sociedade, existe um componente político forte no alto volume de apresentação de PECs, na avaliação do professor de direito constitucional Flávio Pereira, da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Eles utilizam o sistema representativo e suas prerrogativas para usar na campanha eleitoral”, explica.
O especialista pontua também que é comum a apresentação de propostas consideradas folclóricas, que não preenchem os requisitos para serem aprovadas, apenas como estratégia política. “É apenas para o parlamentar, depois, dizer que tentou fazer isso ou aquilo, mas que efetivamente não conseguiu”.
O professor lembra que a Constituição mineira, assim como a federal, é rígida e com muitos detalhes, o que, segundo ele, faz com que o texto se desatualize rapidamente. “É para tornar as Constituições mais próximas da vida da sociedade que existem as PECs, mas elas possuem limites, e os parlamentares não podem apresentar qualquer tipo de alteração”.
Entre as restrições estão as de ordem formal (tramitação especial), temporal (uma PEC rejeitada só pode ser apresentada no ano seguinte), circunstancial e material. O limite circunstancial diz respeito, por exemplo, à impossibilidade de se apresentarem alterações na Carta durante uma intervenção federal. Foi o que aconteceu em 2018: devido à intervenção no Rio de Janeiro, o então presidente Michel Temer (MDB) ficou impedido de enviar ao Congresso a reforma da Previdência. O limite material diz respeito às cláusulas pétreas, que são trechos que não podem ser modificados.