A menos de um ano da eleição, o governador Romeu Zema (Novo) precisará desarmar uma bomba produzida, em parte, por sua própria administração: a insatisfação das forças de segurança de Minas com o veto à recomposição salarial e a oposição de bombeiros, agentes socioeducativos e policiais civis, militares e penais ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), projeto considerado prioritário pelo Palácio Tiradentes que está tramitando na Assembleia Legislativa (ALMG).  

Sindicatos ligados a essas categorias marcaram uma manifestação, para as 9h desta segunda-feira (21), na praça da Estação. Segundo as entidades, dezenas de ônibus e vans trarão servidores do interior, que se somarão aos manifestantes que trabalham na região metropolitana de Belo Horizonte.  

Em 2019, as forças de segurança também foram às ruas para pedir a recomposição salarial, que não tinham desde 2015. Zema fez um acordo e apresentou um projeto de lei concedendo 13% em 2020, 12% em 2021 e 12% em 2022. Porém, após a ALMG aprovar a proposta, o governador descumpriu o acordo e vetou as duas últimas parcelas da recomposição, que agora são novamente cobradas pelos servidores da área.  

“Na Polícia Civil já estamos trabalhando na estrita legalidade em virtude do não pagamento da recomposição que ele firmou o compromisso com a gente e não cumpriu. Queremos pelo menos os 24% . Não é aumento, não é reajuste, é reposição da inflação”, afirma Aline Risi, diretora de comunicação da Confederação Brasileira de Policiais Civis (Cobrapol) e presidente da Associação dos Escrivães da Polícia Civil de Minas Gerais (Aespol-MG). 

O regime de estrita legalidade mencionado são orientações dos sindicatos para que os trabalhadores não se coloquem em situação de risco ou tentem suprir por conta própria o que identificam como déficit de servidores e falta de estrutura.  

Não ao RRF 

Já a oposição à proposta de Zema para Minas ingressar no RRF se deve ao fato de que isso obrigaria o governo estadual a adotar uma série de medidas para contenção das despesas, como teto de gastos, congelamento dos salários por nove anos e limitação na progressão das carreiras e na realização de concursos públicos.  

O deputado estadual Sargento Rodrigues (PTB) calcula que um policial que está no primeiro ano da carreira deixará de ter aumento de 38,8% sobre seu salário caso Minas de fato ingresse no RRF. “Com dez anos de serviço, o policial tem dois adicionais de desempenho de 10%. Com oito anos, ele vai sair de soldado a cabo, um acréscimo no vencimento-base de 15,7%. É por isso que o servidor não aceita em hipótese nenhuma a aprovação do RRF”, afirmou. 

O governo Zema contesta essa interpretação. Segundo o Palácio Tiradentes, pode haver aumento real nos salários desde que isso esteja previsto no Plano de Recuperação Fiscal que será apresentado ao Ministério da Economia e revisado a cada dois anos. Já as promoções e progressões, segundo o governo, serão preservadas de acordo com o que estiver previsto na legislação estadual. 

Histórico de mobilizações

As forças de segurança de Minas Gerais têm histórico de sair às ruas para pressionar o governo a atender seus pleitos. Em 2011, protestos forçaram o então governador Antonio Anastasia, à época no PSDB, a conceder reajustes sucessivos e anuais até 2015.  

Porém, o caso mais famoso<CW14> ocorreu em 1997. Os praças da Polícia Militar fizeram uma greve em junho daquele ano após o então governador Eduardo Azeredo, na época no PSDB, conceder reajuste de 11% apenas para os oficiais da corporação, deixando fora soldados, cabos e sargentos.  

Em uma marcha em direção ao Palácio da Liberdade no dia 24 de junho, os praças se depararam com uma barreira formada por policiais do interior. O cabo Valério dos Santos Oliveira – que tentava conter a manifestação – foi morto com um tiro na cabeça. Após o incidente, a greve foi encerrada, e o governador concedeu 48% de aumento.  

O movimento grevista tem sido lembrado na convocação do ato de hoje. Um dos líderes daquela manifestação, o agora deputado Sargento Rodrigues, reconhece que há diferenças e as pautas eram outras.  

“Lá, o estopim foi que deram (o reajuste) para os delegados e oficiais, e não para o restante. Por isso, delegados e oficiais não participaram. Agora, está todo mundo unido”, disse. “O governador assinou uma ata. Como o governo manda dois secretários de Estado, e eles assinam, quatro chefes de polícia, e eles assinam, e depois fala que não vai pagar? Isso é um fato gravíssimo na história. Esse ponto uniu todo mundo”, afirmou em referência ao descumprimento do acordo por parte do governo Zema. 

Posição do governo

O Tempo pediu uma entrevista com representantes do governo Zema, mas recebeu resposta negativa. Em nota encaminhada pela assessoria de imprensa, o Palácio Tiradentes disse que mantém o diálogo aberto com todas as categorias e que, mesmo diante das dificuldades financeiras do Estado, concedeu recomposição de 13% para as forças de segurança em 2020. 

“Com a adesão ao RRF, projeto que aguarda análise da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o Estado terá condições de aplicar a recomposição da inflação nos salários de todas as categorias do funcionalismo público e dar continuidade ao pagamento das dívidas herdadas, como os repasses para os municípios e os depósitos judiciais”, disse o governo, acrescentando que na maioria dos anos as despesas obrigatórias ultrapassam 100% da receita, ou seja, gasta mais do que arrecada.  

O líder do governo Zema na ALMG, Gustavo Valadares (PSDB) considera justa a reivindicação não apenas da segurança, mas de todas as categorias. “O governo já acenou publicamente com 10% (de recomposição geral em 2022), mas é necessária a aprovação do Regime de Recuperação Fiscal”, afirmou.  

Vice-líder do governo, Laura Serrano (Novo) defende a entrada no RRF para que o débito seja renegociado, o que daria mais fôlego financeiro. “Responsabilidade fiscal é um importante norte para garantir, inclusive, a capacidade do Estado em honrar seus compromissos com seus servidores”, declarou a parlamentar.