O mês de novembro é marcado pela cor roxa, que simboliza a sensibilidade e a individualidade dos bebês prematuros, aqueles que nascem antes de 37 semanas de gestação. A prematuridade é a principal causa global da mortalidade infantil antes dos 5 anos de idade, e o Brasil é o 10º colocado no ranking mundial dos países com mais nascimentos prematuros. Todo ano, são registrados em torno de 340 mil nascimentos prematuros no Brasil, o equivalente a seis casos a cada dez minutos.
É diante desse cenário que a campanha Novembro Roxo se propõe a levar um alerta às famílias e à sociedade sobre os cuidados e a prevenção do parto prematuro, suas causas e consequências, destacando também a importância da educação e formação contínua dos profissionais que atuam desde o pré-natal até o pós-parto, visando qualificar o modelo assistencial e diminuir as taxas de parto prematuro e mortalidade infantil no país.
Para falar sobre esse tema, O TEMPO conversou com Teresa Ruas, fundadora e presidente da Associação do Cuidado Integral à Prematuridade (Acip), uma organização sem fins lucrativos cuja missão é apoiar as famílias de bebês prematuros, promover a conscientização sobre a prematuridade, defender os direitos dos bebês prematuros e incentivar a pesquisa e a educação na área da prematuridade.
Teresa é formada na área da saúde, trabalha nos campos da pediatria, neurociência, desenvolvimento infantil, prematuridade e acompanhamento de bebês de alto risco. Ela é coordenadora do Centro de Referência em Desenvolvimento Infantil e Primeira Infância na Faculdade de Medicina no Instituto de Medicina (Idomed) no Rio de Janeiro. Além disso, ela própria foi uma bebê prematura – “nasci de 29 semanas, pesando 990 gramas, na cidade de Araxá (na região do Triângulo Mineiro)” – e teve dois filhos prematuros, Maitê e Lucca, que nasceram de 23 e 32 semanas, respectivamente.
Como e quando surgiu a Acip e como essa iniciativa se relaciona com sua própria história?
A Acip surgiu da minha experiência pessoal e profissional com a prematuridade. Eu nasci prematura, de 29 semanas, e tive uma filha, Maitê Maria, que nasceu de 23 semanas e um dia. Ela ficou seis meses na UTI e mais oito meses de home care. Foi um momento muito difícil, muito complexo, que me transformou em outro ser humano e que me fez questionar a ciência.
Eu sempre fui uma pesquisadora, uma cientista, mas eu tive uma filha que a ciência não explica. Ela poderia ter tido um desenvolvimento cheio de sequelas, mas não foi o que aconteceu. Ela teve um desenvolvimento dentro do esperado, graças ao processo de estimulação, às terapias, ao ambiente enriquecido, à presença dos pais e ao contato pele a pele.
Mas, mesmo assim, eu comecei a entender que a ciência não responde a tudo. Eu comecei a entender melhor a correlação da afetividade e da espiritualidade, que também são ciências e que precisam se integrar com a ciência moderna, que garante a sobrevida dos bebês prematuros.
Esta é a missão da nossa ONG: inter-relacionar ciência, afetividade, espiritualidade e arte em prol dos prematuros, suas famílias e equipes. Nós oferecemos diversos serviços e atividades, como grupos de apoio, palestras, cursos, eventos, campanhas, publicações, entre outros. Nós queremos que as famílias de bebês prematuros se sintam acolhidas, informadas e empoderadas para enfrentar os desafios da prematuridade.
Como foi sua segunda experiência com a prematuridade?
Eu também tive um segundo filho prematuro, o Lucca, que nasceu de 32 semanas. Ele foi uma gestação de alto risco, pois eu fiquei acamada desde a oitava semana devido a uma infecção bacteriana no meu útero. Eu tive indicação para a interrupção da gestação, mas eu decidi tentar e ter fé que tudo seria possível. O Lucca é uma criança hoje de 7 anos, maravilhosa, uma criança que é luz, uma criança que é solar.
Com ele, eu entendi outros aspectos da prematuridade, que não são apenas clínicos, mas emocionais. Apesar da Maitê ter uma gravidade clínica muito maior do que a do Lucca, foi com o Lucca que tive depressão pós-parto. Foi na gestação do Lucca que tive muitos problemas no meu casamento. Eu tive uma complexidade emocional muito grande, que eu não enfrentei com a Maitê.
Eu pude compreender e entender o que de fato significa a depressão pós-parto, que é uma dor gigantesca. Escrevi no meu livro “Prematuridade Extrema: Olhares e Experiências” que eu não sei o que é pior: se é a dor da separação da incubadora ou se é a separação emocional que você tem diante de uma depressão pós-parto. Porque você não ama o seu filho menos, mas você está exausta, você não consegue cuidar, você não consegue ter aquela relação afetiva de entrega. Você se sente incompetente, você se sente desvalidada para fazer aquele cuidado.
Felizmente, fui tratada de uma forma muito preciosa, e os sintomas foram desaparecendo, e eu fui me curando. Hoje, sou extremamente apaixonada pelo meu filho.
O meu trabalho visa apoiar as famílias de bebês prematuros, promover a conscientização sobre a prematuridade, defender os direitos dos bebês prematuros e incentivar a pesquisa e a educação na área da prematuridade. Para isso, nós desenvolvemos diversas atividades e ações, tais como:
Essas são as principais atividades e ações que nós fazemos na Acip. Nós temos como missão inter-relacionar ciência, afetividade, espiritualidade e arte em prol dos prematuros e suas famílias.
A prematuridade é um tema que precisa ser falado não só no Novembro Roxo, mas em todos os meses do ano, pois ela é uma realidade complexa, que só tem aumento de casos e que precisa de uma universalização das condutas tomadas nas UTIs do nosso país. O Brasil é muito diverso, muito grande, muito diferente em termos de cultura, de acessibilidade, de tecnologia. Às vezes, no mesmo quarteirão, você tem uma UTI que faz tudo que precisa ser feito em termos de humanização, de técnica, de saúde, de alta tecnologia, e outra que não faz, por falta de protocolo, de recurso, de organização.
A gente precisa entender que existem técnicas muito avançadas que permitem a sobrevida do prematuro, especialmente do prematuro extremo, que nasce com menos de 28 semanas gestacionais. Mas a gente quer mais do que isso. A gente quer garantir uma qualidade de vida, de desenvolvimento, de crescimento, de aprendizagem, de socialização, de brincadeira, de andar, de viver. E o mais legal é que não é só a tecnologia de alta complexidade que garante isso, mas a tecnologia de baixa complexidade, sem recurso financeiro nenhum. Afinal, ter o pai e a mãe no hospital é também uma tecnologia, é também ciência. E isso não custa dinheiro. Humanização também é ciência e não custa dinheiro. Contato pele a pele é ciência e não custa dinheiro. Cuidado centrado na família é ciência e não custa dinheiro. A gente precisa de uma organização de equipe, de uma organização institucional, para que a gente possa promover isso, integrar os pais na atuação com seu filho dentro da UTI e oferecer todo o acompanhamento no pós-alta.
De novo, prematuridade não se finaliza com a alta hospitalar. A gente precisa gerar acompanhamento para essas crianças que já tenham sequelas ou não. O fato de já ter nascido prematuro já é um fator de risco que garante a essa criança um acompanhamento. A gente precisa acompanhar essa criança com mais atenção. Existem muitos espaços sérios em nosso país, dos quais também faço parte como voluntária, como a ONG prematuridade.com.