Ídolo estrelado

‘Se não conseguisse marcar Zico, não poderia jogar no Cruzeiro’, recorda Douglas

Ex-volante, revelado na Raposa em momento semelhante ao vivido pelos jovens Weverton, Matheus Pereira e Adriano, relembra como encarou o desafio e venceu na carreira

Por Rodrigo Rodrigues
Publicado em 19 de maio de 2021 | 07:45
 
 
Divulgação/Cruzeiro

“Logo quando subi para o profissional, se tivesse Cruzeiro e Flamengo e precisasse marcar o Zico, eu ia marcar o Zico. Se não desse conta, não poderia jogar no Cruzeiro”, recorda-se William Douglas Humia Menezes, 58 anos. O ex-volante surgiu no início dos anos 1980, em momento semelhante ao vivido pelo clube atualmente, de crise financeira e técnica.

A exemplo de jovens como o zagueiro Weverton, 18, o lateral-esquerdo Matheus Pereira, 20, e o volante Adriano, 21, titulares no time de Felipe Conceição, Douglas foi lançado em momento conturbado pelos lados da Toca. Estreou em um jogo do Estadual, em 1981. No ano seguinte, efetivou-se na equipe principal e só saiu quando mudou de clube, passando por Portuguesa (1988), Sporting, de Portugal (1988), Cruzeiro novamente (1992 a 1994) e Ponte Preta (1995).

“Tinha completado 18 anos e o Procópio Cardozo me escalou em um jogo do Campeonato Mineiro contra o Valério. Em 1982, o Yustrich me colocou para jogar com mais frequência e me firmei. No final da década e 1970 e começo de 1980, o Cruzeiro se viu numa situação difícil para contratar jogadores com um nível mais alto e os que pensaram que dariam certo, não deram. E, na hora difícil, quando mais se precisa, tem de recorrer à base”, relembra o ex-jogador.

Cruzeirense confesso, Douglas demonstrar estar por dentro do que tem acontecido no futebol e com as promessas do seu time de coração. “Por exemplo, o Nacho Fernández é o melhor jogador do Atlético. O volante do Cruzeiro tem de dar conta de marcá-lo, senão, não dá para jogar no Cruzeiro. E ele (Adriano) está indo bem, a exemplo do zagueiro (Weverton) e do lateral-esquerdo (Matheus Pereira). É isso que precisa: para jogar no Cruzeiro tem de dar conta”, atesta.

Confira outros trechos do bate-papo com Douglas

Os primeiros desafios

Na minha época, logo quando subi, se tivesse Cruzeiro e Flamengo e precisasse marcar o Zico, eu ia marcar o Zico. Se não desse conta, eu não poderia jogar no Cruzeiro. O Atlético também estava muito bem com Nelinho, Eder, Paulo Isidro, Reinaldo. Eu tinha que marcar o Reinaldo (risos). Se não marcasse, eu não era jogador para o Cruzeiro. É assim que se formam jogadores de Série A. Fui para a Europa e disputei a Copa da Uefa. Se tivesse que marcar o Maradona, eu ia marcar o Maradona. Inclusive, na oportunidade, falei com a imprensa portuguesa: ‘que venha o Maradona’ e graças a Deus fui bem. Ele era o maior jogador do mundo e eu consegui.

Personalidade

Ter personalidade é um negócio muito particular. Por isso, surgem alguns bons jogadores, craques. Em qualquer profissão na vida é assim. É dado um desafio para o cara e ele tem de dar conta. Quando fui para o Sporting, o treinador falou: ‘quando der o comando tem de sair e deixar o adversário impedido’. Falei: ‘tenho receio disso, porque não fazia no Brasil’. Ele perguntou o que queria fazer e nos acertamos. Eu nunca tinha visto aquilo, mas me deram o desafio e fui bem. Joguei cinco anos lá e sou elogiado até hoje. Quando vou a Portugal os caras me tratam bem.

Base bem feita

Na hora difícil, que mais precisa, tem de recorrer à base, né? Só que não pode descuidar da base e espero que o Cruzeiro não tenha descuidado. Sempre foi uma briga terrível para Atlético, Cruzeiro e América revelar jogadores. A base do Cruzeiro sempre teve uma mentalidade muito bacana, de colocar na cabeça dos meninos que o clube tem de ganhar de qualquer time do mundo. Quem primeiro me convocou para a seleção brasileira foi o (Carlos Alberto) Parreira, para a Copa América de 1983. Também fui em 1987 com o Carlos Alberto Silva e fiz algumas excursões à Europa. Tive muitos treinadores bons e o ‘seu’ Ênio Andrade foi o que mais tirei proveito das coisas que ele falava. Se tive algum sucesso, tudo foi graças à base do Cruzeiro, que nunca me deixou ter medo de enfrentar nenhum desafio.

Promessas atuais

Os jogadores são bons. Têm técnica, velocidade, impulsão, essas qualidades básicas necessárias aos atletas. Claro que precisa de um tempo para melhorar, ganhar cancha, e acho que o Cruzeiro tem feito isso. É ruim falar ‘refugo’, mas os contratados ainda não deram certo em outros clubes e vieram. Infelizmente, existe jogador de Série A, B, C. Alguns não conseguem ter o mesmo ritmo, não têm condição física, psicológica, e pode ser que na base do Cruzeiro tenha. E quem vai ficar, porque se Deus quiser o Cruzeiro vai subir, são esses da base e outros que vierem depois com um nível maior. Treinando e jogando com eles é que os jovens vão se efetivar e se tornar jogadores de Série A.

Investimento na formação

Tem de investir na base, é só assim, e dar oportunidade. Alguns não dão certo? Não! É muito difícil chegar em alto nível, é um vestibular muito grande, um Enem. Mas é na base que surge e onde tem de investir. Colocar os bons treinadores e pagar bem, porque tem de valorizar. Não adianta falar: ‘é treinador do juvenil e desvalorizar’. Isso enfraquece e vai comprometer a revelação de atletas. Deve-se continuar dando valor para formar grandes jogadores. Espero que o Cruzeiro, com o recurso menor agora, não descuide da base. Do contrário, tudo vai ficar pior. Se começar a não revelar jogador, está fadado a não dar certo.

 

Douglas no Cruzeiro

Período: 1981 a 1987 - 1992 a 1994
Jogos: 391
Gols: 8
Títulos: Campeonato Mineiro (1984, 1987, 1992 e 1994), Supercopa (1992), Copa do Brasil (1993)