Entrevista exclusiva

Sheilla abre o jogo: maternidade, ranking e o retorno ao Minas após 15 anos

Após três anos longe das quadras, ela terá a missão de dar suporte para as mais novas e corresponder dentro das quatro linhas

Daniel Ottoni| @supernoticiafm
11/08/19 - 07h00

Foram três anos de distância das quadras por um motivo nobre. A felicidade que Sheilla teve com o nascimento das gêmeas Liz e Ninna dificilmente se compara a tudo que conquistou dentro do vôlei. Com a dupla já mais 'crescida', chegou a hora de matar a saudade do melhor jeito possível: voltando pra casa. A oposta será uma das maiores estrelas do Itambé-Minas na temporada 2019/2020. 

Com a missão de dar suporte para as mais novas e corresponder dentro das quatro linhas, Sheilla mostra-se pronta para os desafios que estão por vir. Entre eles, estar na melhor forma física o quanto antes, servir de exemplo para quem está começando a carreira e ajudar o Minas a manter a média de muitos títulos conquistados na última temporada.

Confira o papo que tivemos com ela sobre gravidez, maternidade, ranking, a chance de jogar vôlei de praia e a vida diferente que viveu nos últimos anos como espectadora do esporte que lhe deu quase tudo. 

Seu plano inicial era ficar todo esse tempo de três anos parada? Eu não tinha planejado um tempo certo para ficar sem jogar. Queria dar uma parada, descansar a cabeça e engravidar. O tempo se alongou porque a primeira gravidez foi interrompida. Tive que tentar engravidar de novo, começar o processo novamente. Por isso, o tempo foi maior do que o imaginado inicialmente. 

Suas filhas estão com quase dez meses de vida. A idade delas pesou para você voltar agora? O que fez a diferença para seu retorno? A minha ideia era ficar com elas, de forma integral, os seis primeiros meses. Eu já estava me exercitando desde que elas completaram três meses, mas não queria firmar compromisso com nenhum time antes de seis meses. Cheguei fazer treinos na areia, tinha até a ideia de jogar vôlei de praia, mas acabei mudando de ideia. 

Então tinha uma ideia sua de não jogar mais nas quadras? Tinha sim. Após a Olimpíada de 2016, conversei com alguns técnicos, que sabiam que eu estava parada. Eles me convidaram para fazer alguns testes na areia, eu declinei porque a ideia era engravidar. Cheguei a falar que jogar vôlei de praia era uma possibilidade, mas somente depois do nascimento das meninas. Cheguei a fazer um planejamento para jogar na areia, mas ficou só nos planos mesmo (risos). 

Quão diferente é o vôlei de praia? Muito! Tem o mesmo nome, mas é um esporte completamente diferente. Os fundamentos mudam, o jeito que você corre para atacar a bola é outro, tem a questão do vento. Estava começando a me adaptar, não estava tão bem fisicamente enquanto ainda pensava em estar neste esporte. Tentei jogar antes de engravidar. Sabia que levaria mais ou menos um ano para estar acostumada com todos os fatores da areia e poder render de verdade. Foi algo como 'vamos ver o que vai dar'. 

Já tinha uma dupla 'engatilhada' para atuar no vôlei de praia? Tinha sim. Mas prefiro não falar o nome da dupla que jogaria comigo para não expor essa pessoa.

Sentiu muito falta do vôlei neste período? Logo após a Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro, não tive saudade. Estava exaurida, assisti a temporada 2016/2017 da Superliga feminina somente na reta final. Ali que uma ponta de saudade começou a aparecer das quadras, da seleção, da rotina de jogos, do frio na barriga. Estaria mentindo se falasse que não senti falta. 

A proximidade da Olimpíada influenciou para você voltar a jogar agora? Não teve tanta interferência assim. Voltei porque era a hora. Queria voltar a jogar na quadra ou areia. Se ficasse mais um ano parada, acho que seria tempo demais. Acho que tudo deu certo para que eu engravidasse e voltasse neste atual momento. 

Pensa em jogar Olimpíada? É algo que passa pela minha cabeça, não posso mentir. Eu cheguei a falar que tinha aposentado da seleção antes mesmo da Olimpíada de 2016, o Zé (Roberto Guimarães) sabia disso. Falei que seria o último ano meu, assim como a Fabiana também chegou a anunciar. Mas hoje eu admito que é algo que penso sim. 

O que mais mudou na sua rotina neste tempo? Aproveitei para viajar com a família completa: tios, primos, irmãos, avós. Isso era algo muito difícil de acontecer por conta da carreira de atletas, com agenda bem diferente de trabalhadores normais. Fiz uma viagem mais longa com meu marido também, a nossa lua-de-mel durou apenas quatro dias. Aproveitei para curtir a família e ficar em casa. 

Sabemos que os atletas costumam ter cuidado constante com a alimentação. Neste período longe das quadras, isso era algo que você se dava ao luxo de 'chutar o balde' uma vez ou outra? Eu nunca tive muito problema com comida porque tenho dificuldade para engordar. Sempre prezei por ter uma alimentação saudável. Eu mantive a minha rotina de outros anos, minha genética me favoreceu durante todos estes anos. O máximo que eu fazia era um chocolate depois do almoço, nada demais. 

Atividades físicas fizeram parte da sua rotina neste período? Na maior parte do tempo, segui me exercitando. Em 2016, quando acabou a Olimpíada, eu tinha o costume de nadar aqui no Minas com meu irmão. Acabei cansando e comecei a correr na Cia Athletica. Mas precisei parar porque comecei a emagrecer demais. Eu não gostava muito de correr, mas um aplicativo no meu relógio me motivava. Ele apitava e mostrava um troféu como premiação cada vez que eu batia a meta do dia anterior. Acho que essa coisa de atleta de ser competitivo está no sangue (risos). Daí, comecei a fazer aulas de tênis aqui em Belo Horizonte. Quando ia para Brasília, batia uma bola com meu marido.

Gostou de fazer tênis? Gostei, fazia aula uma ou duas vezes por semana, mas não durou nem um mês. É divertido, mas difícil e diferente. Nunca tinha jogado. Gostei bastante. Meu treinador chegou a brincar comigo, falando que eu levava jeito e devia ter tentado quando era mais nova. Mas o vôlei me conquistou antes (risos).

Quais foram os aprendizados nestas três temporadas parada? Aproveitei para fazer várias coisas, como curso de investimento e coaching. É diferente observar o esporte do lado de fora, a gente aprende muito, vê outras coisas de um jeito diferente. Foi um tempo super válido, mas a saudade acabou batendo. 

Como era ver os jogos de fora, agora em uma rotina diferente da que você estava acostumada? Eu estava de fora, mas tinha a visão de quem jogou por muitos anos. Eu entendia melhor os momentos de dificuldade. Via a seleção sofrendo dentro de quadra no Mundial, por exemplo, e ouvia muitas críticas. Eu sabia que elas estavam fazendo o seu melhor, eu tinha uma visão menos dura. A crítica faz parte, mas nunca pensei que as jogadoras estavam fazendo corpo mole. As coisas simplesmente não estavam saindo como planejado. Era ruim não estar lá para ajudar, me sentia presa, sem poder fazer nada. 

Bateu vontade de voltar antes destes três anos? Depois da Olimpíada, tive sondagens para jogar mas não queria me comprometer com ninguém. Minha ideia era engravidar, não fazia sentido acertar com um clube com este projeto pessoal na minha cabeça. Eu sabia que não seria mais uma do time e sim uma referência, alguém que eles estariam confiando para fazer a diferença. Essa vontade não aconteceu porque a decisão de engravidar estava tomada. 

Sua vontade era jogar no Brasil ou chegou a estudar possibilidade de retornar para o exterior? Quando decidi voltar, queria atuar no Brasil. Se fosse no vôlei de praia, não seria tão ruim, apesar das várias viagens. Mas falei com meu empresário que o ideal seria atuar em times de São Paulo ou Belo Horizonte. Seria importante ter a família por perto nestes primeiros meses de vida das meninas. Jogar fora do Brasil eu nem considerei, não fazia sentido. Estar com familiares por perto seria algo importante. Uma das ideias perfeitas seria jogar no Minas, fiquei muito feliz que deu tudo certo. 

O que o Minas traz de positivo para este seu novo momento? É o atual campeão brasileiro, o time mais em alta no país. Voltar para um time neste patamar é muito interessante. Estar em casa também pesou. Eu moro em frente ao clube, já joguei aqui, é minha segunda casa, o time da minha cidade, por onde tive grandes momentos na minha carreira. Estou muito feliz em estar de volta. 

Acha que pode voltar a jogar em alto nível em breve? Acho que voltarei a este bom nível de jogo quando estiver bem fisicamente. Ainda preciso fortalecer minhas articulações, é algo que estou trabalhando constantemente. Tenho certeza que vou voltar a jogar em alto nível.

Com a cirurgia da Bruna, sua companheira de posição, o Minas pode precisar de você logo no começo de temporada. Acha que daria para jogar em breve já e dar conta do recado? O que aconteceu com ela faz parte da vida de um atleta. Não sei quando será o primeiro jogo da temporada, mas já estou treinando há mais tempo, antes mesmo da temporada começar. Isso me fez ganhar tempo. As coisas vão acontecer naturalmente. A hora que precisar jogar, estarei pronta, mesmo que seja para ganhar ritmo com os campeonatos em andamento. 

Acha que a paciência dos fãs e da torcida será importante, lembrando que você não joga oficialmente há três anos? Sim, mas acho que todos entendem este meu momento. Independentemente disso, darei meu máximo o tempo todo. O objetivo é chegar bem em dezembro, quando estivemos no Mundial. Até lá, teremos outros torneios para que todas cheguem bem para este compromisso. 

Qual a diferença da Sheilla de hoje para a Sheilla que chegou ao Minas entre 2001 e 2004? Muito grande. Neste período, eu estava começando minha carreira, ainda não tinha conquistado nada. De lá pra cá, minha carreira evoluiu demais, atuei na Itália, Turquia e seleção, ganhei muitos títulos. Quando cheguei ao Minas, eu era uma menininha, me espelhando em jogadoras como a Fofão e Pirv. Agora eu sou este exemplo para as mais novas. 

O que dizer da sua função dentro do time? É algo que já acontece há algum tempo ter essa missão de ser referência, de inspirar as jogadoras mais novas. Espero seguir sendo essa referência. 

Alguma atleta que te inspirou mais? Acho que a Fofão. Tive o privilégio de começar a jogar do lado dela, ela brinca comigo até hoje perguntando se eu tenho mais de 17 anos, que era a idade de quando cheguei ao Minas. Eu treinava em um time com várias estrelas, a Fofão ainda não tinha título olímpico, mas já estava na casa dos 30 anos e era a Fofão! Ela treinava mais do que todo mundo, queria sempre mais, é um exemplo que tive com ela que pretendo seguir.

O aprendizado que você teve com ela era mais de observar de longe? Ela sempre foi próxima, fez questão de ajudar as mais novas o tempo todo. Jogamos juntas na seleção, depois, por muitos anos. Até hoje a gente conversa muito. Dia desses ela me mandou um vídeo de uma entrevista em que eu tomava uma bolada na imagem de fundo (risos).

Estar perto das mais novas é uma preocupação que você também tem, sabendo como pode existir o receio de algumas atletas que chegarem perto de você? Foi algo que aconteceu na Turquia, no Vakifbank, em 2014. Era um time novo, mas com muito investimento, um dos melhores do mundo. Eu era uma das atletas mais experientes e as estrangeiras, principalmente, saíam muito para jantar juntas. Depois de uns 20 dias, uma das atletas veio falar comigo que eu era muito legal e que tinha a impressão que eu fosse metida. Falei com ela que não tinha nada disso, que eu era tímida e que aquele era meu jeito. Ela brincou falando que eu não cumprimentava quando nos enfrentávamos na seleções, admitiu que não falava nada comigo porque eu era 'a' Sheilla, com muitos títulos na carreira. Eu entendo o receio dela, mas não tem nada disso. Depois que as pessoas me conhecem melhor, elas se soltam mais, assim como eu. 

Alguma jogadora que você gostaria de ter jogado junto? Respondi isso, recentemente, no meu Instagram. Gostaria de ter atuado com a ponta coreana Kim. Ela é uma grande jogadora! Fomos rivais na Turquia e ficamos amigas por lá.

Qual o melhor momento da sua carreira? Difícil dizer, foram vários. Complicado dizer do melhor. Espero ter novos bons momentos como já tive até aqui.Algum treinador que te marcou mais? Bernardinho e Zé Roberto são referências mundiais, aprendi muito com os dois e tive a sorte de ter sido treinada por ambos. 

Faz muita falta a ausência de equipes formadoras como o Mackenzie, onde você começou, no cenário nacional? Faz sim, muitos clubes formadores estão com grandes dificuldades de se manter. Na minha época, tinha mais times, hoje menos. A renovação fica mais complicada dentro deste cenário. Acho que temos uma geração mais alta hoje de jogadoras na faixa de 17, 18 anos. Até conversava dia desses com o Zé Roberto, ele dizia que está tentando levar algumas destas atletas para o Barueri, para que ela possa acompanhar de perto a evolução delas. Acho que temos uma geração para Olimpíadas de 2024 e 2028 que pode vir forte, principalmente pela altura. O Brasil deu uma caída nesta formação de atletas nos últimos anos. Na minha época, tínhamos poucas atletas altas, mas muito boas tecnicamente. Para o padrão brasileiro, eu era alta, mas muito descoordenada, assim como a Fabiana (risos). Mas ela virou uma das melhores centrais do mundo. Altura é algo muito importante, pode fazer a diferença. É preciso colocar para treinar, ter paciência, investir na base e nos clubes formadores. 

Ranking faz sentido pra você? Nenhum, isso há muito tempo já. No masculino vimos que, no primeiro ano sem ranking, o campeão já foi outro. Por que você acha que ele persiste? Politicagem dos clubes, pura e simples.

O que devia mudar nesta mentalidade dos clubes? Deixar de pensar somente em si. Muitos falam pra gente tentar convencer os diretores, já tentamos isso diversas vezes. Um clube como Osasco, por exemplo, foi contra o ranking durante todos os anos em que tinha alto investimento. Quando o patrocínio caiu, virou a favor do ranking. Algumas atletas pediram para eu participar de uma reunião sobre ranking na CBV. Deve ter gente que me odiou porque falei tudo que pensava. Uma representante do São Caetano afirmou que sempre foi contra o ranking. Eu retruquei, disse que não era verdade. Eles queriam acabar com o ranking quando estavam cheio de dinheiro, olhando só o próprio nariz e nunca o lado das atletas. A carreira de atleta é curta, muitas vezes precisamos sair do país por falta de opção. Os clubes só pensam em si e azar das atletas! O ranking serve para dividir a classe, é preciso ter espaço para todas atuarem no país. Devemos escolher onde queremos jogar. Uma coisa é o time não ter interesse em você, outra coisa é o lugar onde se vai jogar ser limitado por conta de uma regra como o ranking. 

Superliga feminina mudou muito no período em que você esteve fora? Na verdade, foram cinco anos e não três em que estive fora. Isso porque meus dois últimos anos jogando foram fora do país. Antes era só Rio e Osasco, agora temos outros times muito fortes como Bauru, Barueri, Praia e o próprio Minas. A hegemonia mudou, o Rio nem chegou nas semis na última Superliga. Acho isso bom para o vôlei, é preciso que novos patrocínios apareçam, novos times. Isso vai fortalecer o campeonato, atrair mais jogadores. O ideal seria nenhuma estrela fora do país. Agora temos Natália e Gabi indo para a Turquia. Seria importante que todas as principais atletas jogassem na nossa Superliga.

O que os torcedores do Minas podem esperar de você? Dedicação e entrega total para que tenhamos muitos títulos. 

O que achou da ideia do Minas de seguir com um técnico estrangeiro? Achei interessante seguir uma linha de trabalho parecida com a do Stefano. Não conheço o Nicola, joguei contra ele na Itália e também quando ele era assistente na seleção turca. Creio que seja um perfil similar ao do Stefano para que a linha vencedora siga ativa no clube. 


 

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