Opinião pública

Torcedor ganha força para influenciar clube na internet; veja casos emblemáticos

A diretoria do Galo desistiu de contratar o meia Thiago Neves, ex-Cruzeiro, após pressão da torcida alvinegra; episódios parecidos já aconteceram no futebol brasileiro

No Campeonato Mineiro de 2018, Thiago Neves marcou o gol do título cruzeirense sobre o Atlético | Foto: Douglas Magno/O Tempo
Folhapress| @otempo
21/09/20 - 11h02

Quando o presidente do Atlético, Sérgio Sette Câmara, soube que o técnico Jorge Sampaoli pedia a contratação de Thiago Neves, parte da diretoria foi contra. À exceção do argentino, só o executivo de futebol Alexandre Mattos apoiou a iniciativa.

O mandatário depois diria que se arrependeu por não ter freado a contratação do meia que, quando jogava no Cruzeiro, mais de uma vez ironizou o Atlético nas redes sociais, além de prometer jamais vestir a camisa alvinegra.

A revolta de torcedores, especialmente nas redes sociais, foi tão grande que fez o cartola recuar. Tornou-se mais um exemplo de como protestos virtuais podem moldar a política de um clube de futebol. Não por acaso, Sette Câmara foi ao Twitter logo depois para debelar o que poderia ser mais um foco de protestos.

"O Atlético do futuro precisa de pilares sólidos que estão além das quatro linhas. Comissão e departamento de futebol têm independência para avaliar e indicar, mas a palavra final é minha. Não vai vir também", escreveu.

Ele se referia à recusa em fazer proposta pelo meia-atacante colombiano Sebastián Villa, do Boca Juniors, indicado por Sampaoli. O atleta é acusado na Argentina de agredir a namorada.

"O balanço do poder entre dirigente e torcedor, que antes era favorável ao dirigente, passou para o torcedor digital. A capacidade de engajamento só faz crescer a pressão sobre o clube", avalia José Colagrossi, diretor-executivo do Ibope Repucom, especializada em marketing esportivo.

Fenômeno não é novo

Embora os casos do Atlético estejam em evidência, ele cita que desde 2012 é possível notar uma tendência de campanhas iniciadas por torcedores influenciarem os destinos de uma equipe.

"O primeiro caso aconteceu em 2012, quando o Palmeiras fez vaquinha virtual para contratar o meia Wesley", diz. A capacidade de Germán Cano de marcar gols foi identificada pela torcida do Vasco, que fez várias postagens pedindo pelo atacante quando ele ainda estava no Atlético Nacional-COL, em 2019.

Neste ano, fãs do Botafogo inundaram as redes sociais do meia japonês Honda e do atacante marfinense Kalou, pedindo que eles jogassem pelo clube – deu certo.

Torcedores do Ceará fizeram a diretoria desistir do goleiro Jean, ex-São Paulo e hoje no Atlético-GO, que no ano passado foi detido nos EUA acusado de agredir a esposa.

Condenado pelo homicídio de Eliza Samúdio, o goleiro Bruno viu times desistirem de sua contratação desde que passou ao regime semiaberto, em 2019. Hoje ele defende o Rio Branco, do Acre.

Ao ver a necessidade de um meia no elenco, santistas pediram no Twitter para que a diretoria contratasse o costarriquenho Bryan Ruiz, em 2018. A aquisição foi um fiasco. Ele quase não jogou até rescindir o acordo, há dois meses.

"As redes sociais são termômetro para algumas coisas, mas não podem ser o único medidor de opiniões. Têm de ser levadas em conta para aferir opinião, mas não para decidir. Até porque a maior parte dos torcedores que está nas redes sociais é silenciosa, só observa", diz Guilherme Bellintani, presidente do Bahia.

A reclamação pode até não vir da maioria, mas ainda assim incomodar. Torcedores do Goiás fizeram barulho suficiente nas redes do clube para convencer o mandatário Marcelo Almeida a desistir de contratar o técnico Alberto Valentim no mês passado."O torcedor tem de ser ouvido, não é possível ignorar o que ele pensa", diz Almeida.

É uma relação que pode incomodar até mesmo times que são corporações internacionais. Dirigentes do Manchester United acreditam que as críticas nas redes sobre a falta de contratações para a nova temporada criaram um clima ruim entre os jogadores.

Mas o mesmo clube comemorou quando viu que o nome de Ighalo, seu atacante nigeriano, era o mais citado no Twitter no dia de sua aquisição. Isso seria usado para captar novos patrocinadores.

"É uma relação de aprendizado no futebol. O clube é uma marca e precisa se preocupar cada vez mais com seu consumidor, o torcedor. Ele quer estar bem com a torcida, e ela começou a perceber que, ao fazer pressão, pode ganhar o braço de ferro com a diretoria", analisa Ivan Martinho, professor de marketing esportivo da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).

O elogio também pode ser instantâneo, como a reação de fãs do Fortaleza com a defesa que o presidente Marcelo Paz fez da imagem da equipe diante das especulações de que o treinador Rogério Ceni poderia ir para o Corinthians.

"O torcedor percebeu que tratavam o Rogério como se ele estivesse desempregado, como se o Fortaleza não existisse", afirma Paz.
O desafio é como lidar com isso. Até que ponto vale ouvir o que a torcida tem a dizer e fazer o que ela pede? E se der errado, como foi o caso de Bryan Ruiz no Santos?

"O clube deve ser observador. A melhor coisa é não querer bloquear nem ditar a conversa. As redes sociais viraram uma forma de o torcedor se informar sobre o que acontece no time", diz Bruno Maia, sócio da agência 14, de marketing e conteúdo.

O consenso entre dirigentes e especialistas é que a relação mudou. A quantidade de torcedores dispostos a protestar era pequena, e o mais comum eram pichações de muros ou atos na porta dos estádios. Agora eles têm uma arma mais poderosa: o celular.

"O clube precisa entender o que o torcedor sente. Tem de se comunicar com ele sendo transparente, explicando as decisões, mesmo que sejam contrárias ao que a torcida quer. Até porque o patrocinador pode ver os protestos e achar que sua marca está sendo associada a uma mídia negativa", diz Colagrossi.

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