Viaje por Minas (III)

Cicloturismo: uma conexão com a história do Brasil e com a literatura

Rota segue de bike passos do escritor pelo sertão; outros dois trajetos resgatam história de ferrovias

Por Paulo Campos
Publicado em 18 de outubro de 2021 | 23:58
 
 
A Fazenda Paulista, em Curvelo, onde se hospedou Guimarães Rosa... André Carvalho/Divulgação

Em maio de 1952, Guimarães Rosa acompanhou oito boiadeiros pelo sertão em uma expedição que resultou em obra literária. Em 2014, o ciclista André Zum Zum se inspirou no relato para criar a rota Caminhos do Rosa, quando descobriu que a fazenda adquirida pela família no município de Curvelo, em 2002, teria servido de hospedaria para o escritor.

“O caminho da boiada nem existe mais, não é fidedigno, mas a região é a mesma. Quero que o cicloturista tenha a mesma percepção que Rosa teve da região e uma conexão com sua literatura, com os aspectos que inspiraram sua obra”, explica. Zum Zum, então, adequou o trajeto de 180 km entre Três Marias e Cordisburgo ao percurso de bike e à caminhada.

André Zum Zum explica que o projeto da rota foi construído com a comunidade, para que o visitante tivesse envolvimento com os locais e sua cultura. “Guimarães Rosa escreveu que convivia com as pessoas, que comia com os sertanejos. Quero que as pessoas também tenham essa experiência”, enfatiza. Tudo na rota, acrescenta, está conectado com a região.

Zum Zum considera que Caminhos do Rosa, bem-sinalizada, é ideal para o cicloturismo, porque é plana e a distância entre as cidades não ultrapassa 35 km. Pode-se conhecer dois municípios por dia. Também não é preciso levar muita bagagem, porque há a possibilidade de se hospedar ou se alimentar na casa de um morador da região. “São poucos os projetos de cicloturismo em que o viajante vai conviver com os aspectos que os inspiraram. Caminhos do Rosa têm uma pegada cultural muito forte”, afirma o idealizador do trajeto. Como envolve a comunidade, destaca Zum Zum, ela se sente corresponsável pelo projeto, tem um sentimento de pertencimento. Cerca de 90% dos ciclistas que fazem o percurso não têm a bike como a principal paixão, mas a literatura.

O jornalista Yke Yagelovic, que fez a rota, disse que é muito mais do que entrar de bike. “É um estado de espírito, você se transporta para 50 anos atrás. É aquela poeira, aquele som do silêncio. Ao longe, você ainda consegue ouvir as boiadas, aquela parada para pedir uma água na porta do sertanejo. A gente pedala e vai revivendo página a página de ‘Grande Sertão Veredas’, afirma.

União e Indústria

Embrionário, o projeto de uma rota de bike com pegada cultural na Zona da Mata é a proposta do professor de história Ricardo Sartine, que, antes da pandemia, criou juntamente com amigos o grupo Pedal Real. A inspiração para a criação da nova rota vem de uma viagem que Sartine fez ao Vale Europeu (SC), que tem um dos circuitos de cicloturismo mais famosos do país.

A rota mineira teria como mote a antiga estrada União e Indústria, de 1861, que foi construída pelo engenheiro Mariano Procópio, com autorização do imperador dom Pedro II. A primeira estrada macanizada (de pedra) do país completou 160 anos em 23 de junho. “Vamos criar o Vale do Ouro Verde pela Estrada União e Indústria e outras rotas passando por antigas linhas férreas e fazendas de café”, afirma.

Misturar bike e história é um antigo projeto do professor: “Se antes a gente viajava na velocidade das carruagens de Juiz de Fora a Petrópolis, a 20 km/h, agora vai ser de bicicleta”, conta. Uma rota já foi mapeada pela Estrada Real (Caminho Novo) e vai de Matias Barbosa até Pedro do Rio, em Petrópolis. O percurso entre as duas cidades é de 140 km. No caminho, conta Sartine, tem o distrito de Paraíba do Sul, Sebollas, onde foi colocado um dos membros do Tiradentes depois de ser esquartejado. Em outro trajeto, no sentido de Santa Rita de Jacutinga, às margens do rio Preto, está a Fazenda Santa Clara (1824-1860), conhecida por ter tido o maior número de escravos no Brasil.

Como Matias Barbosa está na divisa entre os Estados de Minas e Rio, Sartine aproveita a localização privilegiada para realizar passeios de cicloturismo até o Santuário de Aparecida e Paraty.

A nova rota tem outras curiosidades: no caminho da estrada estão a primeira usina hidrelétrica do país, o primeiro laboratório de biologia veterinária e um antigo posto de registro de tropeiros no Caminho Novo da Estrada Real.

Rota do Ferro

Os 80 km que ligam Sabará a Santa Bárbara, percorrendo uma antiga linha férrea, virou um trajeto muito procurado pelos ciclistas nos últimos meses. Desativada em 1986, a ferrovia deu lugar a um percurso 100% pedalável, plano, que atravessa além dos municípios citados, as cidades de Caeté e Barão de Cocais. "O bacana é que pode ser feita por qualquer ciclista", destaca  Paulo José dos Reis Dutra, idealizador da Rota do Ferro, uma parceria entre a Associação da Rota do Ferro e as prefeituras de Sabará e Barão de Cocais.

A saída é do Centro de Apoio ao Turista, em Sabará, passa pela igreja de Nossa Senhora do Ó, cartão-postal da cidade histórica, contorna o Esporte Clube Siderúrgica, incursiona pela cidade, pega a linha férrea, atravessa o distrito de Pompéu e o município de Caeté, percorrendo o centro histórico e retornando a estação. Em seguida, passa por dentro do distrito de Rancho Novo, retoma o leito da ferrovia e segue em direção a Santa Bárbara.

Se você sai de Sabará ás sete da manhã, chega por volta das três da tarde em Santa Bárbara",  conta Dutra. Pelo caminho desfruta-se de paisagens da serra da Piedade, vistas para a serra do Caraça, trilhas dentro da mata em Rancho Novo e Barão de Cocais. Sinalizada com uma seta na cor laranja,  que remete a uma chaminé de maria-fumaça, há ainda 30 tótens instalados em pontos turísticos estratégicos.

Serviço:

Caminhos do Rosa

Percurso: 180 km

Site: Clique aqui.

Cidades: Três Marias, Buritizinho, Morro da Garça. fazenda Recanto do Morro, Curvelo, Fazenda Paulista e Codisburgo.

Rota do Ferro

Percurso: 80 km

Site: Clique aqui.

Cidades: Barão de Cocais, Caeté, Sábara e Santa Bárbara

Vale do Ouro Verde pela Estrada União e Indústria

Site: Facebook/Pedal Real

Cidades: Aparecida e Queluz (SP), Andrade Pinto, Areal, Comendador Levy Gasparian, Itatiaia, Paraíba do Sul, Petrópolis, Porto Real, Quatis, Resende, Rio das Flores, Três Rios e Valença (RJ), Belmiro Braga, Chiador, Juiz de Fora, Matias Barbosa, Pequeri, Rio Preto, Santana do Deserto, Santa Rio de Jacutinga e Simão Pereira

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