A personagem "A" mora na Espanha e recebe como herança de sua prima, que morreu de Covid, um embrulho com nove cadernos com suas anotações de viagens. A prima, que não é uma viajante contumaz e nutre rivalidade com Lina, decide honrar sua memória e transforma os relatos em um livro para incentivar outras mulheres a fazer como ela e a se lançarem pelo mundo sozinhas. 

Essa mistura de romance e crônicas de viagens materializou-se no livro “Cadernos de Viagem Herdados” (Editora Claraboia), lançado recentemente pela atriz e viajante Nicole Cordery. “São camadas de realidade e ficção a partir de personagens reais para despertar o leitor para suas memórias, para falar do prazer de viajar sozinha e para incentivar a independência feminina”, resume. 

Nicole, que tem o hábito de anotar suas viagens em cadernos Mosleskine, escreveu o livro durante o isolamento imposto pela pandemia do coronavírus. “Muita gente acaba de ler o livro e fala: ‘Quero viajar sozinha’”, conta Nicole, que já morou em Paris e viajou muito pela Europa sozinha, apenas com uma mala debaixo do braço. “Queria falar do prazer que tenho em estar sozinha”, conta.

Autonomia e liberdade

Uma viagem, segundo ela, é a maior forma de autoconhecimento. Este é o principal motivo citado pela maioria das mulheres que viajam sozinha. Além desse, as entrevistadas nesta matéria mencionam a busca por autonomia, autoconfiança e liberdade, a busca por novas experiências, por conhecer novos lugares e culturas, e a incompatibilidade com os gostos com companhias de viagem.  

“Quando está sozinha, você pode ser você ou quem você quiser”, destaca a reflexologista Bruna dos Santos. “A gente se abre para o novo, e é a melhor maneira de se conhecer”, pontua Nicole Cordery. “Poder tomar decisões é libertador e ensina quem a gente é e o que a gente gosta”, destaca a escritora Gaía Passarelli. “Sozinha, você está aberta a novas possibilidades”, frisa a jornalista Amanda Vitória Siqueira Tomaz, 26. 

Interação

Amanda ainda “engatinha” nas viagens. A jornalista aprendeu a viajar sozinha por necessidade, quando precisou de participar de um processo de seleção em Salvador. “Foi uma viagem tímida, hospedei-me em comunidade por meio do Airbnb. Tinha medo de explorar a cidade, de sair à noite”, conta. Aos poucos, ela foi ganhando mais segurança e confiança. 

Amanda considera que, ao viajar sozinha, também pode interagir com outras pessoas. Para se inspirar, ela segue blogs de mulheres viajantes, como @umasulamericana. Hoje também, os blogs de viajantes nas redes sociais, como @thecatchmeifyoucan e @elasviajamsozinhas. Depois das experiências no Brasil, ela planeja uma viagem para o Peru, embora ainda sinta “medo de uma cultura diferente”. 

Mochilão pelo Peru

Bem diferente de Bruna, que um dia comprou uma mochila e foi se aventurar no Peru sozinha. Por cerca de 30 dias, a reflexologista, de 31 anos, circulou o país e fez um trekking até Machu Picchu pela Trilha Inca. “As pessoas falam ‘mulher viajando sozinha é perigoso’, mas não mais do que os riscos que corro na cidade onde moro”, explica. Depois dessa experiência, Amanda só viaja sozinha. 

A experiência de morar nos Estados Unidos por algum tempo ajudou bastante, reconhece ela. Bruna também explica que “viajar sozinha não significa estar sozinha”. Geralmente, viajantes sozinhas se hospedam em hostels, fazem amizades, conhecem outras mulheres sozinhas. Nicole, inclusive, fala disso em seu livro: que mulheres se juntam em rodinhas quando estão sozinhas, se protegem.  

Depois de Machu Picchu, Bruna fez uma promessa a si mesma: de não viajar para o exterior antes de conhecer seu próprio país. Nos dois anos de pandemia, ela pediu demissão do emprego e se aventurou em um mochilão de ônibus por vários Estados, até se estabelecer por algum tempo na Bahia e no Espírito Santo. “O mais importante em uma viagem é manter uma atitude positiva”, arremata.

É importante planejar

O primeiro conselho de Nicole Codery para uma mulher que viaja para o exterior sozinha é planejamento. No livro “Cadernos de Viagem Herdados”, ela dá dicas de como é importante planejar uma viagem e até o que levar na mala. “É preciso pesquisar a cultura, os costumes do lugar para onde se vai. Você também precisa respeitar e entender a cultura do outro e não impor seu modo de vida”, reforça. 

A viajante deve estar preparada inclusive para situações constrangedoras, como assédio. A escritora Gaía Passarelli, autora do livro “Mas Você Vai Sozinha?”(Editora Globo), conta que passou por uma situação difícil em Kanyakumari, Tamil Nadu, no extremo sul da Índia. Alguns homens tentaram arrombar a porta de seu quarto do hotel porque se sentiam incomodados em vê-la sem a companhia de um homem.

Pouca segurança

Pesquisa da Booking.com realizada em 2019 apontou que cerca 17% das mulheres latino-americanas temiam viajar sozinhas. Lugares como Chade, Afeganistão e Iêmen devem ser evitados por turistas que estão sozinhas, segundo a Single Trips, agência especializada em roteiros para viajantes independentes. Esses países aparecem nas últimas posições do Índice de Igualdade de Gênero dos ODS 2022, desenvolvido pela Equal Measures 2030.   

Já Marrocos, Egito e Indochina devem ser evitados por uma questão de segurança e pelos costumes rígidos. A Single Trips explica que desenvolve pacotes específicos para mulheres que viajam sozinhas e que querem se integrar a um grupo. O perfil que procura a agência é de mulheres independentes, acima de 30 anos e com alguma experiência de viagem. “Nunca tive o desejo de ir a um lugar onde não pudesse me sentir que era bem-vinda", fala Nicole. 

Gaía Passarelli é menos enfática. Ela acredita que “uma mulher bem-informada é uma mulher segura”, mas que também “é diferente viajar para Lisboa e para o interior da Índia”. As viajantes iniciantes, segundo Gaía, devem escolher um lugar mais turístico e acostumado a acolher as mulheres. “A Índia é formada por culturas diferentes e fala 23 línguas. É um país fascinante, mas profundamente machista, e pode soar estranho para as latino-americanas”, explica.

Serviço

Dicas de viajantes

* Pesquise astante sobre o destino antes da viagem;
* Planeje o seu roteiro;
* Programe deslocamentos durante o dia;
* Conheça redes de mulheres que viajam sozinhas;
* Informe seus familiares e amigos sobre sua rota;
* Leve seu smartphone e esteja sempre conectada;
* Tenha cópias de seus documentos na bolsa, no e-mail ou na nuvem;
* Viaje com pouca bagagem;
* Hospede-se em regiões movimentadas e de fácil acesso ao transporte coletivo.

Boa leitura

"Cadernos de Viagem Herdados" (Nicole Cordery)
“Mas Você Vai Sozinha?” (Gaía Passarelli)
“Bravas Viajantes” (várias autoras)
“Sozinha Mundo Afora” (Mari Campos)

Blogs

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@elasviajamsozinhas

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