É em meio à ascensão de fast fashions globais, como Shein e Shopee, e de centros comerciais como o Brás, em São Paulo, que uma cidade no interior de Minas Gerais, com cerca de 242 mil habitantes, mantém viva uma tradição que atravessa gerações: a de vestir com autenticidade e afeto. Divinópolis, no centro-oeste mineiro, consolidou-se como um dos principais pólos da moda autoral brasileira. O município se destaca com confecções familiares e mão de obra local, o que movimenta a economia da cidade. São histórias de costureiras simples do interior que transformam retalhos em grandes fábricas, responsáveis por vestir do norte ao sul do país.

Andar pelas ruas da cidade que fica a 118 km de Belo Horizonte é se surpreender com o que está por trás de fachadas discretas e galpões simples. Dentro desses imóveis, fábricas grandes e estruturadas são responsáveis por produzir roupas femininas e masculinas que vestem o Amazonas, o Tocantins, o Sul e o Nordeste do país. Para o analista de negócios do Sebrae, Denis Magela, o diferencial da moda local está na qualidade que vem de insumos nacionais:

“Concorrer por preço com produtos internacionais é um pouco complexo. Mas a pequena empresa, principalmente pela sua versatilidade, consegue buscar fornecedores exclusivos, com malhas e estampas únicas e se posicionar de uma forma diferenciada, entregando ali um produto de qualidade. Às vezes, o tecido de fora vem na malha sintética. O Brasil, hoje, é muito forte na malha de algodão. As empresas aqui, às vezes, produzem um tecido que busca essa matéria-prima nacional que vai agradar o cliente”, afirma o especialista.

Da modinha à alta costura

Janaìne Maia é proprietária da marca Doce Veneno, que já vestiu até a rainha Xuxa. Foto: Pollyana Sales

A variedade da produção de roupas em Divinópolis é um outro diferencial. A cidade abriga desde fábricas especializadas na chamada ‘modinha’ - peças inspiradas em tendências passageiras, com preços acessíveis, produção rápida e em grande escala - até ateliês de alta costura, que oferecem criações exclusivas, de acabamento refinado, alta qualidade e valores mais elevados. Este é o caso da marca ‘Doce Veneno’, desenvolvida pela empresária Janaine Maia, que já vestiu até a rainha Xuxa. Foi com o incentivo das amigas de faculdade que a divinopolitana, formada em Gestão Ambiental, começou a fazer as primeiras peças.

“Eu mesma cortava as peças na tesoura, fechava e usava. Eu ia para a faculdade, as meninas falavam, ‘Ah, eu quero essa que você tá vestida’. Aí eu trocava, tirava a minha e levava sacola pra elas. E acabou que eu optei pela moda. Quando eu construí a fábrica, ela nem seria uma fábrica. Ela foi projetada para ser um laboratório de análises ambientais. E no meio do caminho, a gente mudou de ideia e estou aqui até hoje. Isso tem o quê? 16 anos”, afirma a empresária.

Com o sucesso nacional, Janaine não se intimida com a concorrência das fasts fashions e garante que o seu público é outro: “O pessoal fala muito do Brás, da Shein…Eu não tenho medo nenhum, porque a roupa não é a mesma. Não existe a qualidade que a gente faz. Eu não falo não é só de lá não. Em lugar nenhum”, explica.

Tradição que une gerações

Neli Chagas, de 82 anos, é proprietária da marca CH3 com as filhas, Glória e Eliana- Foto: Pollyana Sales

A origem de muitas fábricas em Divinópolis é marcada pela simplicidade e determinação. Várias nasceram do sonho e da coragem de costureiras que, após anos trabalhando como empregadas, decidiram apostar no próprio negócio. Tradição que costuma unir gerações já que, quando a iniciativa prospera, costuma envolver toda a família.

A marca de roupas CH3 Modas surge assim. Criada por Neli Chagas, 82 anos, a empresa atualmente é gerida pelas filhas, Glória Chagas e Eliana Chagas. Juntas, as três mulheres são responsáveis pelos processos de gestão, criação e venda das coleções. Foi depois de anos costurando para os outros, que Neli criou coragem para criar a própria fábrica. “Falavam comigo que eu estava sonhando alto demais, comprar uma máquina grande, comprar tanta coisa para abrir uma fábrica, sendo que eu não tinha dinheiro nem para comprar uma tesoura. Mas deu certo. É o que eu sabia fazer, o que eu amo fazer até hoje, e o que funcionou. Tanto pra mim quanto para as minhas filhas que são sócias comigo”, afirma.

A tradição se repete em outra marca de roupas de Divinópolis, a Júlia Barros. Criada por Adélia Alves de Barros, a empresa tem o nome da filha, de apenas 18 anos. “Eu fico muito feliz de poder compartilhar e incentivar a Maria Júlia Barros nesse caminho. É claro que para ela vai ser um pouco mais fácil, no sentido que ela vai dar um seguimento e não passou por todo o processo de criação, mas dar essa continuidade é difícil também”, afirma Adélia.

Já Maria, que cresceu acompanhando o esforço da mãe de colocar a fábrica em pé e de vestir mulheres em todo o país, está decidida sobre a carreira, em um momento em que muitos adolescentes ainda estão decidindo o caminho profissional: 

“A loja sempre esteve muito presente na minha vida e eu cresci no meio disso, sabe? Vendo as pessoas costurando, cortando as peças, dando o acabamento, além das vendedoras.. Então assim, eu sempre estive presente em toda essa parte e eu gosto muito, sabe. Eu já fiz o curso técnico de moda, mas eu pretendo me formar na área administrativa para poder conseguir administrar e dar seguimento na empresa da minha mãe”, explica a adolescente.

Mãe e filha são proprietárias da marca de roupas Júlia Barros, em Divinópolis.- Foto: Pollyana Sales

As primeiras fábricas de roupas em Divinópolis surgem na década de 80, com a crise das siderúrgicas em todo o país. Na cidade, a indústria metalúrgica era responsável por empregar grande parte da população, e a crise causou um desemprego expressivo. O segmento da confecção foi uma alternativa devido ao baixo investimento inicial.

Atualmente, segundo dados da prefeitura da cidade, são mais de 3 mil empresas formalizadas e 20 mil empregos gerados no ramo, responsável por 10% do PIB (Produto Interno Bruto) de Divinópolis.