Sete de outubro de 2023, data que marcou o mais recente episódio das tensões entre israelenses e palestinos. O ataque sangrento do Hamas, que começou com o lançamento de milhares de foguetes em Israel, completa um ano nesta segunda-feira (07/10). Apesar de não ter sido contabilizado oficialmente, o balanço de mortes e prejuízos dos envolvidos um ano depois é devastador. Ambos os lados convivem diariamente com os efeitos diversos da destruição. A data marcou o início do conflito que rapidamente se expandiu, com o grupo terrorista recebendo apoio de outras facções armadas do Oriente Médio, como o Hezbollah e os Houthis- treinados e financiados pelo Irã. Provocou reação de Israel, que hoje ataca também o Líbano, e virou um dos temas centrais na Organização das Nações Unidas (ONU).
Nas primeiras horas daquele dia, os membros do Hamas, que se escondem na Faixa de Gaza, invadiram Israel e num ataque sem precedentes mataram mais de 1,2 mil pessoas (dado que pode ser subnotificado) - entre as vítimas, mulheres, crianças e idosos. Sequestraram também mais de 250 reféns. Entre os alvos, uma festa rave, que se estendia desde o dia anterior, teve centenas de vítimas e se tornou símbolo da carnificina. Israel reagiu e, já nas próximas horas, bombardeios intensos caíram sobre Gaza. Eles continuam até hoje.
Hyatt Omar é uma ativista humanitária, brasileira-palestina, que tem boa parte da família vivendo na Cisjordânia - território palestino que faz fronteira com Israel e fica próximo à Gaza. Ela relata as dificuldades enfrentadas por parentes. “O povo palestino não está vivendo, mas sobrevivendo com o reflexo do que tem sido feito com eles. Faltam alimentos, medicamentos, itens básicos de higiene, e mais, falta segurança e até esperança. Faz um ano que eles sentem que ninguém se mobiliza para que de fato um cessar-fogo aconteça. Existe uma grande tortura psicológica porque não sabem o que vai acontecer.”
A ativista destaca que uma das maiores preocupações dela é porque seus familiares moram em Hebron, a segunda maior cidade do território palestino. “Lá existem muitos assentamentos, que são pequenas colônias que Israel usa ilegalmente para abrigar seus colonos, judeus e estrangeiros. A situação na Cisjordânia é opressora. A cada ligação e mensagem que recebo, fico com o coração acelerado por não saber o que esperar. É muito difícil conseguir estar bem aqui sem me sentir culpada.”
Para Hyatt, os sentimentos que ficam depois de um ano de intensificação do conflito são de impotência e injustiça. “Isso tudo serviu, basicamente, para mostrar que existem padrões duplos de realidades. Existem estados e governos que saem impunes, mesmo cometendo crimes de guerra. Até a maneira na qual se referem à população palestina é indevida. Muitas pessoas não falam que eles foram mortos, apenas que morreram. Mas quem matou eles? A gente vê uma narrativa que não é justa e honesta, com um povo que já é tratado como uma minoria, como um povo bárbaro e à margem da sociedade”, finaliza.
Do outro lado
O presidente da Federação Israelita de Minas Gerais, Paulo Dicker, também revela que os relatos que têm recebido de amigos e familiares em territórios israelenses são de dor e incerteza. “Estamos lutando para encontrar um sentido em meio ao caos. As perdas de vidas e a situação dos reféns são fontes de angústia constante, afetando a saúde mental de inúmeros cidadãos. Além disso, há uma sensação de traição e desconfiança, especialmente entre aqueles que viviam em kibutzim - comunidades agrícolas - próximos de Gaza, onde a convivência pacífica com os palestinos foi rompida de forma abrupta.”
A preocupação com a segurança é também um ponto evidenciado por Dicker. “Para nós, judeus da diáspora, - que foram dispersos forçadamente de suas terras - essa situação gera um sentimento crescente de aflição com a possibilidade de ataques em nossas comunidades, incluindo aqui no Brasil e, particularmente, em Belo Horizonte. A sensação de vulnerabilidade é real, e é fundamental que estejamos vigilantes e preparados. Ao mesmo tempo, precisamos promover o diálogo e a educação, combatendo o antissemitismo e o ódio em todas as suas formas.”
Conforme o presidente, o balanço deste último ano é multifacetado e revela que essa guerra vai muito além das fronteiras de Israel. “Não se trata apenas de um conflito entre Hamas e Israel ou Hezbollah e Israel. É uma luta que envolve questões mais profundas de segurança, identidade e direitos humanos. Israel é a única democracia na região, e isso traz consigo a responsabilidade de proteger não apenas seu povo, mas também os valores democráticos que sustentam nossa sociedade. É importante ressaltar que a luta por paz e segurança não é benéfica apenas para os povos que vivem no Oriente Médio, mas para o mundo inteiro,” finaliza.
O que os dois lados concordam é que os reflexos do conflito vão muito além da destruição dos territórios. Conviver com a sombra do medo e da insegurança perturbam e impactam emocionalmente milhares de pessoas envolvidas. “É uma grande e dolorosa tortura psicológica. O trauma não é novo, é crônico e vem passando de geração a geração,” afirma Hyatt Omar. “A guerra deixou cicatrizes emocionais. Estamos enfrentando perdas imensas e consequências psicológicas profundas,” enfatiza Paulo Dicker.
Os rumos do conflito
Um estudo publicado na revista científica The Lancet em julho deste ano estima que mais de 180 mil pessoas morreram na Faixa de Gaza desde o início da guerra. O dado leva em consideração fatalidades diretas e mortes provocadas pela destruição de infraestruturas. Por sua vez, o Ministério da Saúde de Gaza afirma que mais de 40 mil palestinos foram mortos desde que Israel lançou sua ofensiva.
Do ponto de vista do especialista em Direito Internacional Lucas Carlos Lima, o conflito parece ter chegado a um momento de escalada. “Essa é uma fase de grande tensão, porque outros atores, como Líbano e Irã, começam a se envolver no conflito. Os Estados Unidos têm apoiado Israel e há outras potências sustentando os outros lados. Então há uma divisão que tende a se expandir. E o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) encontra-se paralisado por conta dos vetos das grandes potências,” realça.
Conforme o especialista, apesar do caos aparente, as instituições internacionais estão agindo e condenando tanto os atos de Hamas quanto algumas ações de Israel. “Crimes de guerra contra a humanidade estão sendo cometidos. As organizações estão se movendo diante dessas claras violações às normas e tratados internacionais que estão acontecendo. Então não é uma questão de necessidade de criação de mais normas, e sim de implementação e de pressão internacional para serem respeitadas.”