Quem acompanha o noticiário tem tido a impressão de que os acidentes envolvendo aeronaves aumentaram no Brasil e no mundo. O último exemplo foi o helicóptero que caiu no rio Hudson, em Nova York, nos Estados Unidos, na tarde desta quinta-feira (10/4). A sensação de aumento no número de acidentes aéreos, entretanto, não é mera impressão. 

Segundo dados do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), em 2024 o Brasil registrou o maior número de acidentes aéreos em relação aos dez anos anteriores - foram 175 acidentes que mataram 152 pessoas. Neste ano, foram registrados 50 acidentes com 19 mortos. Neste cenário, especialistas defendem que o aquecimento global e as mudanças climáticas contribuem para o aumento dos casos. 

Luis Fernando de Jesus Lobato, mestre em Engenharia Aeroespacial e coordenador dos cursos de engenharia elétrica, mecânica, produção e áreas de TI da Estácio, afirma que as mudanças climáticas têm avançado rápido e nem sempre os estudos e tecnologias aéreas disponíveis conseguem acompanhar. “Se não adequarmos os equipamentos aos extremos, seja calor ou frio, continuaremos a ver acidentes ocorrendo com maior frequência”, diz. 

Um dos exemplos disso, segundo ele, é o caso da Voepass. A formação de gelo sobre as asas é uma das hipóteses para a queda da aeronave. Além do acionamento do alarme de gelo três vezes, o copiloto comentou que havia "bastante gelo" antes do acidente, segundo a gravação da conversa no cockpit do avião. No entanto, a entidade não confirmou se essa foi realmente a causa do acidente.

“Está faltando expertise para lidar com altas ou baixas temperaturas. Os testes em hangar nem sempre são suficientes para mostrar o que o avião é capaz de suportar, pois na vida real a história é outra. Não é culpa dos pilotos, são problemas técnicos”, aponta. 

Outra hipótese defendida por ele é a troca de materiais que as empresas têm feito ao redor do mundo para deixar os aviões mais leves e, ao mesmo tempo, mais eficientes. “Isso é feito por questões econômicas. Mas, o problema é que isso deixa as aeronaves mais suscetíveis às mudanças no clima e às rajadas de vento, como aconteceu no Canadá.”

Apesar do aumento no número de acidentes, o especialista afirma que o cenário não é de pânico. “Independentemente dos acidentes, o avião ainda é um dos meios de transporte mais seguros que temos. Se analisarmos o todo, o número de acidentes ao redor do mundo ainda é baixo em comparação ao número de voos”, garante. 

Outras hipóteses

Enquanto isso, Raul Marinho, diretor técnico da Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag), defende que o número de acidentes cresceu porque "a frota de aviões aumentou muito depois da pandemia".

De acordo com dados da Abag, em 2022, ano do fim da emergência de saúde da pandemia, o Brasil tinha 9.607 aviões executivos. Em outubro de 2024, a frota passou a contar com 10.484 aviões do tipo.

É esta categoria - a chamada aviação executiva - que concentra a maioria dos acidentes registrados nos últimos anos. Também chamada aviação geral, ela abrange todos os tipos de aeronaves que não fazem voos regulares (linhas aéreas) nem militares.

“O segmento de aviação geral opera com estrutura muito mais pobre que a linha aérea, na qual operam as grandes companhias. Os voos de carreira operam nos 150 maiores aeroportos do país, que também são os aeroportos mais seguros e mais equipados. Têm torre de controle, estação meteorológica, fiscalização constante das condições da pista.”

Já a aviação geral de pequeno porte, segundo ele, opera em todos os 5 mil aeroportos do Brasil, o que contribui para aumentar a insegurança dos voos. “Aí não tem estação meteorológica, tem terra, grama, cascalho na pista. A cerca está furada, e aí entra animal, tem lixão do lado, pássaros", afirma Marinho.

Ele também aponta que a fiscalização da aviação privada é menos rígida que a da aviação de carreira e a do táxi aéreo. Segundo o diretor técnico da Abag, a Agência Nacional de Aviação (Anac) parte do pressuposto de que, "se o avião é seu, o problema é seu", já que a aviação privada não pode cobrar para levar passageiros.

“Em outras palavras, é o dono ou o operador da aeronave que deve cuidar das questões de segurança e estar em dia com as regras da Anac. É um setor que não passa pelo que o mercado chama de vigilância continuada", diz. 

*Com informações de Pedro Canário/Folhapress