Há 80 anos, em 8 de maio de 1945, a Alemanha assinava um documento de rendição perante os aliados ocidentais - um ato que marcou, para o Ocidente, o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa. No dia seguinte, 9 de maio, o documento passou a valer em Moscou (capital da União Soviética), que considera essa a real data do fim da guerra. Seja qual for o momento exato reconhecido como o encerramento do conflito, fato é que o período marcou para sempre as relações políticas e econômicas mundiais.
Os confrontos, iniciados em 1939, após a invasão da Polônia pelos alemães, envolveram Aliados (Reino Unido, França, União Soviética e Estados Unidos) e Eixo ( Alemanha, Itália e Japão) na Europa, África, Ásia e Oceania. Foram seis anos de conflito, que resultaram em mais de 60 milhões de mortes. Ao fim da guerra, a humanidade se deparou com uma Europa devastada e tomou conhecimento do Holocausto - o genocídio nazista praticado especialmente contra judeus e outros grupos minoritários.
“O fim formal da guerra em 1945 não significou a instauração da paz imediata, mas sim o início de um período marcado por devastação material, colapso moral e reconfiguração radical das sociedades europeias. No continente Europeu, a destruição física era visível em todos os cantos. Cidades como Varsóvia estavam 85% arrasadas, Berlim em ruínas, a infraestrutura de transporte e comunicação em colapso”, comenta a professora adjunta do departamento de História da UFMG, Marina Duarte. “Além disso, havia uma ‘ausência’, isto é, milhões de mortos, desaparecidos e deportados, cujas ausências eram sentidas não apenas nas famílias, mas em comunidades inteiras, criando um vazio social e emocional”, destaca.
No campo ideológico, o pós-guerra foi um terreno fértil para disputas que se tornaram globais. “Em países como Itália e França, a tensão entre comunistas — muitas vezes vindos da resistência — e conservadores gerou repressões e marginalização política. Já na Romênia, Polônia e outras partes do Leste Europeu, essas tensões explodiram em guerras civis abertas e na consolidação de regimes comunistas apoiados pela União Soviética. Esses conflitos não foram apenas locais, mas sintomas da emergência de um mundo bipolar: de um lado, projetos de justiça social, redistribuição e revolução; de outro, projetos de reconstrução liberal, atrelados às potências ocidentais”, exemplifica.
No contexto geopolítico, o pós-guerra é marcado pela bipolarização entre Estados Unidos e União Soviética, com a Guerra Fria. “Por mais que a gente tenha um resultado da Segunda Guerra, que é claramente uma preocupação dos Estados Unidos em ‘norte-americanizar’ o sistema mercantil e o sistema comercial internacional, a responsável pela derrota do nazifascismo é a União Soviética, ela sai como uma das responsáveis pelo equilíbrio geopolítico internacional”, aponta o professor de história da PUC Minas Marcus Lage.
“Nesse sentido, o grande legado que a gente tem no pós-Segunda Guerra é propriamente essa existência de uma alternativa de organização social e política com a União Soviética, com todos os problemas que a União Soviética apresenta em termos de burocratização do regime, de autoritarismo, de autocracia e totalitarismo”, diz o professor. “Por outro lado, a gente tem efetivamente os Estados Unidos se comportando pela primeira vez como uma grande potência internacional que vai virar”, pontua.
A professora Marina Duarte lembra que essa divisão geopolítica moldou alianças militares, como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e o Pacto de Varsóvia, alimentou conflitos indiretos em diversas regiões (Vietnã, Coreia, Cuba, Afeganistão) e influenciou políticas internas, “especialmente no Ocidente, com base na lógica da segurança e da contenção do inimigo, reforçando discursos anticomunistas”.
“Em relação às tensões surgidas no contexto da Guerra Fria, algumas continuam a repercutir até hoje. O impacto duradouro da corrida armamentista nuclear permanece um tema central na agenda internacional. Além disso, a memória coletiva do Holocausto, dos regimes totalitários e das lutas anticoloniais moldou profundamente os debates contemporâneos sobre direitos humanos, democracia e justiça global”, diz Marina.
Além disso, muitas das estruturas internacionais conhecidas hoje foram criadas no pós-guerra. “Entre esses legados estão, por exemplo, os acordos de Bretton Woods, que estabeleceram o dólar como moeda de referência, bem como a permanência de instituições como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e, posteriormente, a União Europeia”, enumera Marina.
“Do ponto de vista dos Estados Unidos, eu acho que a principal consequência que a gente tem é essa convicção dos Estados Unidos como uma nação predestinada a salvar o mundo, ser um ponto de equilíbrio da sociedade, que deve difundir ideais democráticos de forma universal para a sociedade. Isso vai aparecer de forma muito forte com o tratado de Bretton Wood”, acrescenta Marcus Lage.
Os dias atuais
O professor da PUC pontua que a nova ordem mundial que se deu no pós-guerra começa a se dissolver na virada dos anos 80 para os anos 90. “A gente tem toda uma discussão nos anos 90 de defesa do estado mínimo, do neoliberalismo e do fim da história, né? Como se não houvesse alternativas ou saídas além do mercado, do capitalismo, de modo que, na minha opinião, essa nova ordem já começa a ser redesenhada nos anos 90”, afirma.
Já a professora da UFMG destaca que hoje o mundo vive um cenário multipolar. “A China, por exemplo, tornou-se um ator central na arena internacional, e vemos uma nova articulação entre países do Sul Global, como exemplifica o bloco BRICS. Aquele modelo bipolar não existe mais”, afirma.
Marina também observa que atualmente há um enfraquecimento de instituições criadas no pós-guerra, como a ONU e diversas agências reguladoras internacionais. “Processo que envolve múltiplos fatores e dinâmicas históricas, mas que responde também a uma agenda de nacionalismos particularistas, voltadas para a exaltação dos interesses nacionais em detrimento de acordos multilaterais previamente firmados — a administração Trump foi um exemplo notório desse movimento. O universalismo e os direitos humanos perdem espaço para demandas nacionais”, acrescenta.
Conflito no Japão
Após o fim da guerra na Europa, o conflito no Japão ainda perdurou por mais alguns meses. Somente após os atentados americanos em Hiroshima e Nagazaki, em agosto, foi que o Japão se rendeu em definitivo em 2 de setembro de 1945.