A Rússia reagiu com um misto de desafio e cautela nesta terça-feira (15/7) ao ultimato feito na véspera por Donald Trump, segundo o qual o americano deu 50 dias para Vladimir Putin parar a guerra na Ucrânia, sob pena de novas sanções.

Segundo o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, a fala de Trump "é séria e precisa de tempo para ser analisada". Para ele, os "sinais dados em Bruxelas e Washington sinalizam a continuidade da guerra".

Bruxelas é a sede tanto da Otan, cujo secretário-geral Mark Rutte estava ao lado de Trump durante o anúncio do ultimato no Salão Oval da Casa Branca, na segunda (14), quanto da União Europeia. Peskov disse que está clara a disposição dos países do continente em lutar por procuração.

Ele também afirmou que seu chefe poderá comentar pessoalmente o tema se considerar necessário, e reiterou que espera a resposta de Kiev parar uma terceira rodada de negociações diretas.

Já o poderoso vice-chanceler Serguei Riabkov afirmou, um pouco antes, que a Rússia sempre esteve pronta para negociar, mas que não o fará sob ameaças ou ultimatos. Sua escolha como porta-voz na crise é simbólica: ele é o principal negociador nuclear da Rússia, além de especialista em Estados Unidos.

Aqui, há uma mensagem múltipla para o público interno. Por um lado, o mercado celebrou a pressão sobre Putin e a possibilidade de um fim para a guerra, com a Bolsa de Moscou subindo nesta terça. Por outro lado, políticos de linha-dura criticaram a guinada do americano.

Um dos porta-vozes deste grupo, o ex-presidente Dmitri Medvedev, chamou o anúncio de Trump de "ultimato teatral" a ser desconsiderado. Segundo um observador do Kremlin ouvido pela reportagem, a reação inicial do governo russo é a de entender o quão séria é a ameaça de Trump. Segundo ele, os 50 dias foram lidos como um prazo razoável para acomodações eventuais, mas há o temor de mais pressão.

Ao mesmo tempo, o americano disse à rede britânica BBC em conversa publicada nesta terça que "está desapontado com Putin, mas ainda não desisti dele". Pelo sim, pelo não, o chanceler russo, Serguei Lavrov, reuniu-se em Pequim com o líder chinês Xi Jinping para discutir a crise.

Até aqui, o republicano havia mudado a política de Washington para a guerra, adotando o discurso de Putin sobre a motivação para a invasão de 2022. Os dois líderes se falaram ao menos cinco vezes por telefone desde a volta de Trump ao poder, em janeiro, e abriram negociações diretas.

Elas ocorreram também com os ucranianos, em duas rodadas infrutíferas nas quais os termos para a paz de cada lado foram apresentados e rejeitados. Volodimir Zelenski quer negociar após um cessar-fogo, e Putin quer sua lista de desejos atendida primeiro —ela inclui a cessão de quatro territórios que anexou ilegalmente, a neutralidade militar de Kiev e até eleições no país vizinho.

Frustrado, Trump passou a criticar pontualmente o colega russo, a quem já havia dito admirar. Ao mesmo tempo, deu sinais contraditórios, suspendendo o envio de armas de defesa antiaérea a Kiev que haviam sido prometidas na gestão Joe Biden. O fluxo foi retomado, e por fim veio o ultimato. A ameaça de Trump em caso de não haver o cessar-fogo é dupla: sanções mais duras e aumento da ajuda militar a Kiev.

Ele promete tarifas de 100% no comércio bilateral com a Rússia – o que é inócuo dado o baixo volume – mas também a mesma taxação contra países que compram petróleo de Putin. A União Europeia já havia banido o produto russo de forma paulatina, mas aqui são atingidos em cheio países parceiros de Moscou no Brics.

A China comprou em junho 47% do petróleo cru russo. A Índia, 38%. Já no campo dos derivados, a membro da Otan mas independente Turquia levou 26% da produção de óleo diesel, enquanto a China comprou 13% e o Brasil, 12%.

O caso brasileiro tem o agravante de Trump estar focado em punir o país com 50% de tarifas a partir de agosto também por motivo político, no caso, a pressão para poupar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) do julgamento pela trama golpista, gerando uma crise com o governo Lula (PT).

Em outro campo, Trump prometeu equipar os ucranianos com mais baterias de defesa aérea Patriot e outros sistemas. Em vez de assinar uma ordem para doação, contudo, ele trouxe Rutte para Washington para selar um acordo segundo o qual os membros europeus ricos da Otan pagarão aos EUA pelo material fornecido.

Há especulações se o americano também pretende dar armas ofensivas a Kiev, algo que passou em branco na entrevista coletiva da segunda. Segundo o jornal britânico Financial Times, em uma conversa por telefone com Zelenski na sexta-feira retrasada (4), Trump questionou se Kiev poderia alvejar Moscou caso tivesse as armas necessárias.

"Com certeza", respondeu o ucraniano, segundo o relato, que não foi comentado nem pela Ucrânia, nem pelos EUA. Enquanto isso, a violência seguiu de lado a lado. Houve bombardeios a diversas regiões ucranianas nesta noite, mas a ação mais notável foi um ataque com drones de Kiev contra Voronej, importante cidade ao sul de Moscou. Ao menos 16 pessoas ficaram feridas em um prédio residencial, uma delas em coma.