WASHINGTON, EUA. Rebiya Kadeer é o rosto global da resistência à repressão chinesa contra os uigures. E em sua luta, ela exibe a tenacidade que comandou sua improvável ascensão dentro da China nas décadas passadas, de lavadeira a famosa empresária.

O governo de Pequim que a aclamou como cidadã-modelo na década de 1990, antes de aprisioná-la por roubar segredos de Estado e enviá-la para o exílio nos Estados Unidos em 2005, agora a demoniza como arquiteta dos protestos que começaram no domingo passado na região onde vivem os uigures, no oeste da China. "Todas as dificuldades na minha vida me prepararam para os tempos difíceis que enfrentamos agora", disse ela, que gosta ser chamada de "Mãe dos Uigures".

Usando uma blusa lisa de lã e um chapéu tradicional uigur sobre sua trança que vai até a cintura, Rebiya, 62, condenou com braveza a tirania do governo chinês.
As paredes do seu pequeno escritório no centro de Washington são cobertas por fotos gigantes de encontros com o ex-presidente George W. Bush e Laura Bush, além de retratos de vários dos seus 11 filhos, dois dos quais agora estão aprisionados na China. Eles foram sentenciados a longos períodos de reclusão após ela ter vindo para os EUA e retomado seu trabalho na defesa dos direitos dos uigures.

Os eventos da semana catapultaram Rebiya a um novo nível de reconhecimento global, uma proeminência que parece não corresponder às salas modestas daqui, onde ela e alguns assessores pressionam o governo pela causa dos uigures, utilizando telefonemas, Internet e paixão.

Na semana que passou, os telefones pessoal e do escritório não pararam de tocar, com repórteres de todo o mundo querendo uma entrevista. Entretanto, é evidente que os uigures desfrutam de muito menos glamour do que seus vizinhos tibetanos. Quando Rebiya comandou uma marcha à embaixada chinesa na terça-feira, apareceram apenas algumas dezenas de incentivadores, maioria deles companheiros de exílio. Normalmente, protestos pró-Tibete reúnem sempre multidões.

Predestinação. Na entrevista e na sua autobiografia, "Dragon Fighter" (Combatente do Dragão), publicada neste ano nos EUA, Rebiya descreveu sua sobrevivência em meio à fome, perseguição durante a revolução cultural de Mao e várias apreensões de suas mercadorias e dinheiro por oficiais corruptos - na época, ela entrou no comércio clandestino de roupa feminina.

Mas talvez seu destino estivesse traçado desde o dia de seu nascimento. De acordo com a tradição uigur, o pano utilizado no parto dos filhos deve ser enterrado. Ao cumprir o ritual, cavando o buraco, seu pai teria levado uma surpresa ao encontrar ouro. A partir daí, a família profetizou que o novo rebento seria uma pessoa especial, que pertenceria ao povo. "Ela não será nossa", previa o pai.

Traduzido por André Luiz Araújo