Fernando Nery
CEO e cofundador da Portão 3 (P3)
Nos últimos anos, o Vale do Silício se consolidou como o epicentro da corrida pela inteligência artificial, com gigantes como OpenAI e Nvidia investindo bilhões para liderar essa revolução tecnológica. Os números são impressionantes: a primeira captou US$ 6,6 bilhões em rodadas de investimento no último ano, enquanto o treinamento do GPT-4 consumiu US$ 63 milhões.
Segundo “The New York Times”, seus modelos mais avançados custam cerca de US$ 1.000 por tarefa processada, o que deixa clara a magnitude de recursos necessários para operar no topo do mercado. Nesse contexto, parecia inevitável que a liderança na IA estivesse restrita a poucos e grandes competidores
Porém, a chegada do Deepseek, desenvolvido por uma discreta companhia chinesa, está desafiando essa narrativa. Treinado com apenas US$ 5,5 milhões, o modelo surpreendeu ao superar gigantes, como a dona do ChatGPT, Google e Anthropic em desempenho, tudo isso rodando em chips tecnologicamente defasados. Ainda mais notável é o fato de a novidade ser 100% gratuita.
Essa nova dinâmica levanta questões importantes sobre o futuro da inteligência artificial. Até agora, o consenso era o de que a construção de IAs avançadas exigia investimentos exorbitantes e infraestrutura de ponta. A entrada de novos players desafia essa premissa, sugerindo que modelos eficazes podem ser desenvolvidos com uma fração do orçamento e em condições tecnológicas menos privilegiadas.
O impacto disso no mercado é importante, forçando empresas como Meta a reagir rapidamente – de acordo com “The Information”, Mark Zuckerberg e sua equipe chegaram a montar “war rooms” para entender as implicações dessa nova ferramenta.
A mudança no paradigma do desenvolvimento de IA também tem implicações geopolíticas. A Nvidia, cujo domínio sobre os chips mais avançados era considerado inquestionável, agora vê seu modelo de negócios sob ameaça. O governo norte-americano já limitava a exportação de suas GPUs para países como a China, na tentativa de manter o Ocidente na dianteira tecnológica. No entanto, o Deepseek mostrou que a inovação não está restrita às condições impostas por esses bloqueios, levantando dúvidas sobre a eficácia dessa estratégia em conter rivais.
Do ponto de vista econômico, a democratização da tecnologia pode ser um divisor de águas. Segundo um estudo do Stanford Institute for Human-Centered Artificial Intelligence, o desenvolvimento de inteligência artificial tem o potencial de aumentar a produtividade global em até 16% até 2030.
Porém, se os custos para criar e operar essas tecnologias forem reduzidos, os benefícios poderão ser mais amplos, alcançando empresas menores e mercados emergentes que até então estavam fora do jogo. Isso pode criar um ambiente mais competitivo, no qual grandes players não têm mais o monopólio da inovação.
A chegada do Deepseek marca um momento importante na história da IA, afinal, ele não apenas desafia o domínio das big techs do Vale do Silício, mas também redefine o que significa competir nesse mercado. A questão central agora não é apenas “quem” pode criar as IAs mais avançadas, mas “como”. Esse novo cenário exige uma adaptação rápida, não apenas tecnológica, mas também estratégica e cultural, em um mercado que parecia destinado a ser liderado apenas pelos mais ricos.