Leônidas de Oliveira é secretário de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais
A Inconfidência Mineira, em 1789, não foi apenas uma conspiração frustrada contra a Coroa Portuguesa. Foi a introdução do Iluminismo no coração do Brasil colonial. Um pensamento europeu transplantado para as montanhas mineiras, que encontrou eco nas casas de Vila Rica, no seio da elite letrada, nos versos de poetas e na indignação de uma sociedade oprimida por impostos e decadência econômica. Aquele foi, de fato, um movimento de ideias, mais do que de armas – como ensina a tradição iluminista – e, por isso, permanece até hoje como um marco fundacional da identidade mineira e, em certa medida, da própria brasilidade.
Não houve levante militar. Houve encontros em bibliotecas, leituras de Rousseau, sonhos de República e versos carregados de sentido político. Entre os inconfidentes estavam homens de letras como Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Alvarenga Peixoto e até o poeta português Correia de Serra. A poesia e a filosofia iluminista atravessavam os salões, ao mesmo tempo em que a mineração declinava e a derrama – o imposto violento sobre o ouro – pairava como ameaça.
A bandeira pensada pelos conjurados sintetiza esse espírito. Um triângulo verde sobre o branco da paz, cercado pelo lema latino Libertas quae sera tamen – “Liberdade, ainda que tardia” – expressão extraída do poeta romano Virgílio. Ao longo do tempo, o verde cedeu lugar ao vermelho, simbolizando o sangue derramado. O lema, por sua vez, carrega uma verdade incômoda: a liberdade talvez nunca se realize plenamente, mas o impulso em buscá-la é o que forma as grandes nações. Não é uma liberdade dada, é um horizonte. E esse é, até hoje, o princípio que sustenta a bandeira de Minas Gerais.
Em Belo Horizonte, o bairro da Savassi ecoa essa herança. Suas ruas trazem os nomes dos poetas-inconfidentes – Alvarenga Peixoto, Cláudio, Gonzaga – como se a cidade, capital do novo século, ainda caminhasse sob a sombra dos ideais da antiga Vila Rica. E há ainda a Rua Santa Rita Durão. Curiosamente, o poeta que nomeia a rua nunca participou da conjuração. Mas é justamente essa rua que desemboca na fachada do Palácio da Liberdade, sede do Governo de Minas. Uma coincidência histórica que se transforma em símbolo: é por entre as letras do século XVIII que se chega, hoje, à sede do poder republicano.
Outro antagonismo curioso marca o tempo presente. A Polícia Militar de Minas Gerais, em 2025, completa 250 anos. Tiradentes, o mártir da Inconfidência, era soldado do Regimento dos Dragões. E foi essa mesma força militar que se tornou, séculos depois, defensora da ordem republicana. Na origem de sua história institucional está, paradoxalmente, a figura de um militar que se rebelou ao poder central em nome do povo. Esse entrelaçamento de opostos é próprio da história mineira, que resiste à simplificação.
Com recursos abundantes à época, oriundos do Ciclo do Ouro, Minas Gerais reunia os ingredientes políticos, econômicos e intelectuais para gestar um movimento que anteciparia o ideário da independência. A brasilidade, se entendida como o sentimento de pertencimento à terra, ao povo e à liberdade, tem em Minas sua pedra de fundação. Nas montanhas silenciosas e nos versos de seus filhos, brotou a mais simbólica das revoltas: aquela que, mesmo derrotada, fundou um país imaginado – e, talvez por isso, ainda mais potente.