Ana Luísa Bolívar é psicóloga infantojuvenil

A série “Adolescência”, da Netflix, cumpre com maestria seu propósito: nos provocar e nos tirar da zona de conforto. Ao expor questões sensíveis sobre a juventude contemporânea, desperta um desconforto difícil de sustentar – e é essa inquietação que nos leva à reflexão e não nos isenta da preocupação, pelo contrário: nos obriga a olhar para a adolescência com mais atenção e responsabilidade. Esse incômodo pode ser um convite à mudança.

Vivemos um momento em que as formas de comunicação se modificam rapidamente, tornando o diálogo entre pais e filhos mais complexo. O que antes era uma conversa direta, hoje passa por filtros digitais, símbolos e emojis, muitas vezes incompreensíveis para os adultos.

Na psicanálise, a linguagem é vista como estruturante do sujeito, organizando nossa relação com o mundo e com os outros. Quando há uma ruptura nesse registro, instala-se um desencontro que impede a construção de significados compartilhados. Isso se reflete na série na relação entre o investigador e seu filho: um profissional treinado para decifrar pistas, mas incapaz de compreender a realidade emocional do próprio adolescente. Essa dificuldade em estabelecer conexões não se limita à família e se estende a outras instituições fundamentais na formação do sujeito.

A escola, que deveria ser um espaço de aprendizado e socialização, tornou-se um ambiente desorganizado, incapaz de lidar com a complexidade emocional dos adolescentes. O atendimento psicológico, embora essencial, ainda ocorre de maneira precária diante do aumento alarmante dos transtornos mentais nessa geração.

Em um movimento contínuo, os adolescentes circulam por essas instituições sem encontrar um verdadeiro espaço de acolhimento, o que intensifica sentimentos de deslocamento e angústia. Se antes a sala de estar era o local onde se compartilhavam experiências, hoje cada um se isola em seu quarto com sua própria tela, dificultando a percepção de mudanças sutis no comportamento dos jovens.

A transformação das casas, dos hábitos e dos laços reflete mudanças sociais mais profundas que impactam diretamente o desenvolvimento psíquico.

A adolescência, como a entendemos hoje, é um fenômeno recente. Até alguns séculos atrás, crianças eram tratadas como pequenos adultos, sem um período de transição entre a infância e a vida adulta. Atualmente, essa fase se estende e se ressignifica, tornando-se um período de ambivalências e conflitos, no qual a ausência de vínculos sólidos intensifica os desafios.

A cena da escola na série, em que os detetives tentam “apagar o fogo” e o alarme de incêndio é acionado, simboliza bem esse caos: o que deveria ser um momento de organização se transforma em tumulto, ilustrando a confusão emocional e social que marca essa fase da vida. O desafio não é apenas conter a crise, mas entender suas raízes e criar estratégias para lidar com ela.

Se temos o dever de cuidar dos adolescentes, por que estamos falhando? A culpa não é apenas das telas, mas de uma ruptura mais profunda nas relações sociais. A adolescência não pode ser deixada à deriva. O desafio que a série nos lança é um chamado à responsabilidade coletiva: precisamos reconstruir laços e criar espaços onde os jovens se sintam vistos, ouvidos e compreendidos. Só assim conseguiremos transformar esse desconforto inicial em uma mudança real.