Rodrigo Foureaux é juiz de direito
A vida de um policial é marcada por riscos visíveis, confrontos armados, perseguições, violência urbana. Mas há perigos silenciosos, quase invisíveis, que corroem por dentro: o sofrimento mental e o suicídio. Em 2023 mais policiais morreram por suicídio do que em confronto com criminosos. Foram 110 suicídios, contra 107 mortes em serviço ou folga, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024. Os dados acenderam um alerta que não pode mais ser ignorado.
A taxa de suicídio de policiais é quatro vezes maior do que a da população geral. Estados como São Paulo e Rio de Janeiro registraram aumentos de até 80% e 116%, respectivamente, em relação ao ano anterior (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2024). Essa realidade não é apenas estatística. É o retrato de uma categoria que sofre calada, muitas vezes impedida pela cultura da força e do silêncio de pedir ajuda.
O sofrimento psíquico no meio policial se manifesta por sinais recorrentes: isolamento emocional, irritabilidade, absenteísmo, uso de álcool, alterações no sono e no apetite, verbalizações de desesperança e comportamentos de risco. São sintomas de alerta, que precisam ser percebidos, acolhidos e encaminhados com seriedade. Colegas e supervisores estão na linha de frente dessa vigilância silenciosa e essencial.
Mudança estrutural
A prevenção do suicídio de policiais exige uma mudança estrutural e cultural. Institucionalmente, é preciso investir em programas permanentes de saúde mental, com acesso fácil e sigiloso a psicólogos especializados, triagens periódicas, programas de apoio mútuo e ações de pós-crise. Mas há um aspecto ainda mais imediato e poderoso: a presença do colega de farda.
Um simples “como você está?” pode ser o ponto de inflexão. Observar mudanças de humor, comportamentos atípicos ou afastamento súbito é responsabilidade de quem compartilha o mesmo plantão, o mesmo carro, a mesma missão. Não é preciso ser psicólogo para acolher. Basta estar atento, disposto e presente.
Além disso, combater o estigma interno é urgente. Muitos policiais evitam buscar ajuda por medo de serem vistos como fracos ou de perderem a função. Falar de saúde mental não é fragilidade. É sobrevivência. A liderança deve incentivar abertamente esse diálogo e proteger quem busca ajuda.
Em momentos críticos, a atitude do colega pode ser decisiva: ouvir sem julgamento, encaminhar com empatia, manter a confidencialidade e insistir na conexão. A maior parte dos policiais que cometem suicídio não grita por socorro, sussurra. Cabe a quem está ao lado captar esse sussurro e agir antes do silêncio definitivo.
O suicídio policial não é inevitável. É evitável. Mas exige que cada elo da corrente – Estado, corporação, comando e colega – assuma a responsabilidade de proteger quem protege. A farda cobre o corpo. A escuta protege a alma. E a presença salva vidas.
Um policial pode salvar o outro, mesmo fora do combate.