Luciana Marques Coutinho é procuradora do Trabalho no MPT-MG
O mês de julho marca a aprovação da Lei Afonso Arinos, em 1951, a primeira norma legal brasileira a tratar a discriminação racial como crime. Não é um mês de festividades. O objetivo é renovar a luta contra o preconceito e a discriminação. Estamos ainda muito distantes de uma sociedade fraterna, justa e igualitária, sem racismo.
A publicação “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, do IBGE, de 2022, mostra profunda disparidade nas condições socioeconômicas entre brancos, pretos e pardos no Brasil. Em 2021, 18,6% da população branca estava abaixo da linha da pobreza (recebendo até U$ 5,50/dia), enquanto 34,5% dos pretos e 38,4% dos pardos estavam na mesma situação. O rendimento médio real habitual do trabalho principal dos brancos era de R$ 3.013/mês, contra R$ 1.764/mês dos negros e R$ 1.814/mês dos pardos. No mesmo ano, apenas 29,5% das posições ocupadas por pretos ou pardos eram de cargos gerenciais, contra 69% dos brancos. Apenas 19% dos pretos ou pardos eram proprietários de grandes estabelecimentos agropecuários (mais de 10 mil habitantes), sendo que 79,1% eram brancos.
Dados do Atlas da Violência de 2025, analisando as taxas de homicídios de pessoas negras e não negras entre os anos de 2013 e 2023, demonstram quadro de extrema desigualdade racial também na violência letal no Brasil. A apuração revela que uma pessoa negra, em 2023, tinha 2,7 vezes mais chances de ser vítima de homicídio do que uma pessoa não negra. Em dez anos, essa proporção aumentou 15,6%, comprovando que a violência letal contra pessoas negras vem se intensificando.
Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania divulgados em 2024, o Disque 100 registrou, em 2023, 3.100 denúncias de racismo e injúria racial, o que representa um aumento considerável de denúncias em relação ao ano anterior: 1.800 denúncias.
O panorama de persistência da desigualdade e do racismo também é percebido em notícias constantes e assustadoras de discriminação, violência quase sempre praticada sem reprimenda. O sistema de garantia de direitos falha e não ampara as vítimas.
Desde 2003, por força da Lei 10.639, é obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio. Em 2008, a Lei 11.645 determinou também a mesma obrigatoriedade quanto aos povos indígenas. Essas normativas foram aprovadas após muita luta dos movimentos sociais e são essenciais no combate ao racismo estrutural.
Embora sejam fundamentais, as normativas ainda não são integralmente cumpridas. Em 2023, o Geledés – Instituto da Mulher Negra e o Instituto Alana publicaram estudo sobre a Lei 10.639/2003, apurando que 71% das escolas pesquisadas, da rede municipal de ensino, não estariam adotando ações para a implementação da norma.
A situação revelada na pesquisa mostra baixa adesão à legislação pelas escolas municipais, mas a situação é ainda pior nas escolas estaduais e nos estabelecimentos particulares, que parecem mais opacos na transparência sobre suas práticas e resistentes ao cumprimento da lei, obrigatória para toda a rede de educação brasileira.
Neste cenário, ações desenvolvidas para fomentar a observância da Lei 10.639/2003 são alentadoras. Uma dessas iniciativas é o projeto Reverbera – Culturas Afro-Brasileiras, Africanas e Indígenas nas Escolas, que será desenvolvido em 2025 pela Agência de Iniciativas Cidadãs (AIC), em parceria com o Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais e outras organizações do setor público e da sociedade civil. O projeto prevê, dentre outras atividades, uma premiação a propostas educacionais das redes públicas de ensino em Belo Horizonte que dialoguem diretamente com o ensino da história afro-brasileira e indígena.
Que venham visibilidade, impulsionamento e apoio, inclusive financeiro do Estado brasileiro e dos estabelecimentos particulares de educação, para reverberar, com a profundidade e a ressonância necessárias, uma educação antirracista em todas as esferas e segmentos educacionais do país!