Rodrigo Rocha é arquiteto e urbanista, sócio do Grupo OSPA e COO da Urbe.me
Estimativas da ONU apontam que a população urbana do planeta passará de 57% para 68% da humanidade entre 2024 e 2050. Dessa forma, o número de pessoas que vivem em grandes cidades seria ampliado em 2,5 bilhões. A urbanização é, portanto, uma tendência irreversível. Mas o padrão clássico de megacidades concentrando todo o dinamismo econômico e demográfico está se transformando.
Países como Japão, Alemanha, Itália e Rússia registram crescimento populacional nulo ou negativo, o que pressiona suas principais metrópoles. Tóquio, Berlim, Milão e Moscou são exemplos de megacidades que registram queda no número de habitantes. Além do envelhecimento populacional e consequente redução da natalidade, pesa o trabalho remoto, que possibilita a profissionais viver em cidades médias, com menor custo de vida e maior bem-estar. Conforme a McKinsey, a modalidade responde hoje por 20% a 30% dos dias trabalhados em economias avançadas.
A urbanização nesses países migra para a chamada estrutura policêntrica: várias cidades médias conectadas por infraestrutura de transporte, telecomunicações e redes logísticas, em vez de uma ou duas metrópoles que dominam o território. Se isso eleva a eficiência territorial, também coloca em xeque a relevância socioeconômica de grandes centros.
Estes terão de se adaptar, requalificando áreas, diversificando funções e investindo na qualidade de vida de seus habitantes. Fazê-lo e ao mesmo tempo sustentar sua viabilidade fiscal com uma base contribuinte menor demanda a integração com as cidades policêntricas por meio de sistemas eficientes de transporte público que, ao reduzirem o tempo de deslocamento, transformam aglomerados em sistemas funcionais. Como esclarece o urbanista Alain Bertaud, a produtividade urbana está diretamente ligada à capacidade dos indivíduos acessarem o maior número possível de empregos em tempo razoável.
Situação distinta vivem África e Ásia que, segundo a ONU-Habitat, responderão pela maior parte do crescimento urbano até 2050. Dessa forma, países como Nigéria, Índia e Filipinas não precisarão reter habitantes, mas urbanizar suas cidades sem repetir os erros do urbanismo do século XX, que resultaram em expansão informal, gentrificação predatória, e dependência excessiva de automóveis.
Já o Brasil vive um paradoxo urbano: é um país em desenvolvimento, mas já altamente urbanizado, com mais de 87% dos habitantes vivendo em cidades, segundo o Censo 2022. No entanto, há uma inflexão. Capitais como Porto Alegre, Recife, Salvador e Belém registraram queda populacional absoluta na década entre 2010 e 2022. Nota-se que a desurbanização ocorre também em grandes centros de países em desenvolvimento que perdem a atratividade ou não se adaptam às novas demandas.
Há uma redistribuição interna da população brasileira: expansão em cidades médias do interior, polos regionais com melhor qualidade de vida, menores custos e oportunidades mais estáveis. É o caso, dentre outras, de Campinas, Joinville, São José do Rio Preto, Maringá e Palmas, que crescem acima da média nacional.
Em todos esses casos, percebe-se a necessidade do uso de ferramentas de planejamento baseadas em dados e inteligência territorial que possibilitem identificar, na velocidade da dinâmica urbana, no que investir, onde se deve incentivar o crescimento e como. Isso não ocorre com planos diretores abstratos, mas sim como mecanismos que possibilitem a coordenação entre investimento público e sinais de mercado. Sem isso, corremos o risco de repetir o ciclo anterior, produzindo periferização acelerada, infraestrutura atrasada e perda de centralidade.