Luciana Zanini é investidora, conselheira, C-level e CFO do Inhotim
Os últimos dias revelaram, de maneira mais contundente, a fragilidade de um sistema econômico que ainda busca conciliar crescimento e estabilidade. Conflitos entre nações intensificam a volatilidade dos mercados, tensões políticas testam cadeias globais e choques sociais expõem o custo de decisões econômicas desvinculadas do impacto socioambiental. Nesse cenário, torna-se inevitável revisitar uma pergunta que, embora antiga, assume atualmente contornos mais urgentes: qual é o futuro que nós estamos financiando?
A verdade é que já há alguns anos investir deixou de ser apenas alocar capital para obter retorno financeiro. É, também, moldar o tipo de sociedade e de economia que queremos ver prosperar. Fundos de impacto e investimentos responsáveis demonstram que é possível, e lucrativo, alinhar valor econômico e valor socioambiental. Evidências mostram que empresas que consideram stakeholders de forma genuína ampliam inovação, reduzem riscos, constroem resiliência e também criam retornos sustentáveis para os acionistas.
A evolução regulatória reforça essa tendência. Iniciativas como o ISSB (sigla em inglês para Conselho Internacional de Padrões de Sustentabilidade) e as novas normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) estabelecem padrões claros de transparência e responsabilidade. Longe de serem barreiras, são catalisadores: orientam o capital para empresas que realmente geram impacto positivo e afastam aquelas que apenas buscam “cumprir tabela”.
Alex Edmans, no livro “Grow the Pie”, defende uma ideia com a qual faço coro: não é preciso escolher entre propósito e lucro. Ao “crescer o bolo” para todos, empresas constroem um círculo virtuoso em que benefícios para clientes, colaboradores e comunidade retornam como valor para o acionista.
Na prática, isso exige decisões estratégicas no núcleo do negócio: emissão de “green bonds” e “social bonds”, métricas robustas para retorno socioambiental e governança ativa para garantir que o impacto seja parte intrínseca da estratégia corporativa. Nesse contexto, a boa governança se torna alavanca estratégica, pois atrai capital, reduz riscos e protege contra as práticas de “greenwashing”.
Estudos recentes, como o conduzido pela professora Kelly Posenau na Cornell SC Johnson, evidenciam que fundos de impacto privados podem mitigar riscos de mercado e ampliar a diversificação de portfólios. O conceito de hibridismo organizacional, que combina a lógica de mercado à lógica social, fortalece-se como abordagem capaz de gerar retorno competitivo e, simultaneamente, promover transformação efetiva em territórios e comunidades.
O desafio, no entanto, não se limita à mensuração de resultados. Implica identificar contextos nos quais o capital investido possa, de fato, se tornar catalisador de mudanças estruturais. Essa análise exige ir além das métricas tradicionais, compreendendo o custo econômico e social de postergar responsabilidades. Ignorar essa conta é acumular um passivo que, inevitavelmente, será cobrado de todos nós no futuro.
Ousemos avançar, mesmo diante de barreiras conjunturais e urgências voláteis. O mercado já demonstrou que retorno e impacto não pertencem a agendas distintas, eles formam um binômio capaz de redefinir a criação de valor. O capital que direcionamos hoje moldará a sociedade e os negócios de amanhã. Investir com consciência é, portanto, não apenas decisão financeira, mas posicionamento estratégico, ético e transformador. Qual futuro você tem financiado?