Acílio Lara Resende

De tricas e futricas à prisão em segunda instância

A crise do partido do governo e a celeuma na decisão do STF


Publicado em 24 de outubro de 2019 | 03:00
 
 
 
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O então presidente Fernando Henrique Cardoso, na época da prorrogação da CPMF, após dizer que tinha a palavra do PFL para a aprovação dessa contribuição provisória (que quase se tornou definitiva), afirmou que o “Brasil poderia perder R$ 400 milhões por semana em razão de tricas e futricas da política”. Muitos acharam que ele exagerara.

Os que podem hoje provocar prejuízo financeiro ao país, em consequência de tricas e futricas partidárias, são o presidente Jair Bolsonaro e seus três filhos. Querem confrontar gente que não deve em momento difícil para o país, que precisa de líderes que não desagreguem. O presidente não aceita distinguir os apoios que recebeu, não aceita que a maioria desses apoios lhe veio dos que não queriam de volta os que então governavam o país – muitos deles hoje presos por corrupção. Sua atenção é só para um grupo de direita radical, responsável pela polarização política, que pode levar o país à loucura.

Antes da inédita gravação do presidente, feita por gente do seu partido, e da grosseria do ex-líder do PSL Delegado Waldir, Bolsonaro deixou escapar o que de fato manobrava, num diálogo com alguém que ainda não foi identificado: “Estamos com 26, falta uma assinatura para a gente tirar o líder e colocar outro. A gente acerta. Entrando outro agora (o filho, claro!), dezembro tem eleições para o futuro líder”.

Sentindo-se ofendido, Waldir saiu-se com esta pérola, cuja gravação foi assumida pelo deputado Daniel Silveira (RJ): “Eu vou implodir o presidente. Aí, eu mostro a gravação dele. Eu implodo o presidente. Acabou. Sou o cara mais fiel a esse vagabundo. Andei no sol em 246 cidades gritando o nome desse vagabundo”. Quanta estupidez!

Agora, a prisão em segunda instância. Quase todos enxergam os acertos da Lava Jato. Poucos, todavia, enxergam os erros que ela sabe que cometeu. Isso, porém, não a desqualifica, leitor. Ela precisa transformar-se numa operação permanente, sem influência de qualquer espécie. Para isso, nada melhor do que a obediência à lei.

O ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp disse ao jornal “O Globo”, no último domingo, que o STF é o grande culpado pela celeuma que se criou em torno da prisão de segunda instância. Segundo ele, “não há interpretação que afaste a expressão ‘trânsito em julgado’. Ponto”.

Obedecer sempre à lei é o remédio que impede efeitos perversos do combate à corrupção, como – provou-se depois – de fato ocorreram. Esses efeitos perversos podem estimular o (re)nascimento de um Estado autoritário. Hoje se trata da presunção de inocência; amanhã, a vítima será o “habeas corpus”; e assim por diante, leitor.

Respeitemos a Constituição. Ela é o único caminho.

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