Andreia de Jesus

Precisamos falar de violência política contra a mulher

Lei 24.446 e as tentativas de calar quem ousa se manifestar

Por Andreia de Jesus
Publicado em 07 de outubro de 2023 | 07:10
 
 
 
normal

A sanção da Lei 24.446/2023, que institui a política de enfrentamento à violência política contra a mulher em Minas Gerais, deve ser celebrada. Sabemos que o Brasil é um dos países que mais matam por questões relativas a gênero no mundo. A situação é ainda mais grave quando relacionada a mulheres que exercem cargos ou posições de poder. 

Em muitos casos, essa violência é articulada com o racismo e a LGBTfobia. Segundo o Instituto Marielle Franco, 98% das candidatas negras sofreram pelo menos um tipo de violência política nas últimas eleições.

Violência política contra a mulher é toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir ou restringir os direitos políticos de uma representante feminina. Ameaças, ofensas, agressões, assédios, tentativas de homicídio e assassinatos são algumas formas de atentar contra as mulheres candidatas e eleitas. Todas as mulheres são vítimas desses ataques, mas negras, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais são alvos preferenciais por integrarem outros marcadores sociais nessa luta pela garantia de direitos fundamentais.

Como mulher, negra, advogada popular e presidenta da Comissão de Direitos Humanos, sei bem o que isso significa. Desde que assumi o cargo no Parlamento, há quase cinco anos, já recebi milhares de ameaças relacionadas à minha atuação em defesa dos direitos das mulheres, dos negros, enfim, daqueles que são constantemente discriminados e usurpados em sua dignidade, os quais prefiro chamar de “maiorias sociais” – sim, somos a maior parte da população. Hoje preciso de escolta para exercer o direito básico de ir e vir.

Não me calo nem abaixo a guarda. Estou identificando e processando judicialmente todos aqueles que acham que podem nos ameaçar. Agressores não passarão.

Infelizmente, são muitas as colegas parlamentares que passam por situação semelhante. Na última semana, os jornais nos surpreenderam com a notícia de que a polícia deteve pessoas responsáveis por ameaçar deputadas da Assembleia mineira. Foi uma ação importante, mas ainda insuficiente diante de tantos casos de abusos e ameaças que surgem diariamente.

A sanção de uma lei que trata de violência política contra a mulher deve ser celebrada, mas é necessário ir além do texto da norma. Se nós, representantes do povo, somos constantemente ameaçadas, o que não está acontecendo nas outras esferas de poder, nos territórios? Por isso devemos deixar claro, com nosso grito, nossa voz, que a lei não trata apenas da representante eleita para cargos públicos. 

O direito político deve ser entendido de forma ampla e garantido em todas as atividades de militância, na participação em associações, nas lideranças comunitárias, nos terreiros e quilombos.

Nesse sentido, violência política contra a mulher pode ser entendida como uma forma articulada do poder patriarcal de tentar calar toda aquela que ousa se manifestar. O nosso corpo é um corpo político, onde quer que estejamos. Enfrentar a violência política é, portanto, estancar toda forma de violência contra a mulher.

Por isso devemos falar de violência política contra a mulher. Para que cada vez mais o poder público e a sociedade civil possam se articular, criando redes de denúncia e proteção. Essa luta ainda está no começo. Há muito a se fazer, mas vamos garantir nosso lugar. Juntas, ninguém vai nos calar.

Andreia de Jesus é deputada estadual (PT-MG)

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!