Andreia de Jesus

Vítimas da violência do próprio Estado

Contra o uso de dinheiro público para defender masculinidade frágil

Por Andreia de Jesus
Publicado em 12 de agosto de 2023 | 07:15
 
 
 
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Nunca imaginei que ocuparia uma cadeira no Parlamento mineiro. A minha chegada é fruto das reivindicações do movimento negro, principalmente do movimento de mulheres negras, que sempre lutaram para que pessoas negras ocupassem espaços de poder.

Quase todos os dias durmo pouco, preocupada com tantas mazelas que encontro nas minhas andanças por Minas, fiscalizando ações do Executivo. A maioria das pessoas que me procuram foi vítima de graves violações de direitos humanos ou está em condições de extrema vulnerabilidade social.

São tantas demandas que às vezes me vejo tentando resolver situações que não são de competência de uma parlamentar. É difícil seguir em frente sem se afetar quando crianças não conseguem acessar a merenda, quando água potável e esgoto não chegam às comunidades, quando pessoas são vítimas da violência do próprio Estado.

Enquanto advogada, sei que não faltam leis no Brasil e que precisamos avançar na sua efetividade. Todas as vezes que vou legislar, escrever um projeto de lei, me concentro em resolver essas mazelas, em buscar soluções para a garantia de direitos.

Escrever projetos com e para o povo, construção coletiva, irmandade. Nossa atuação no Parlamento é recurso público aplicado, dinheiro do povo. Não me esqueço disso em nenhum instante, nem quando escrevo um projeto ou quando atuo enquanto presidenta da Comissão de Direitos Humanos.

De tão surreais, às vezes fico assustada com alguns projetos que são apresentados na ALMG, em sua maioria escritos por homens brancos, héteros e de direita. Lendo Bell Hooks, uma pensadora negra, comecei a perceber que os projetos de lei apresentados por esses homens estão relacionados com um desejo latente de perseguir mulheres, pessoas negras e a população LGBTQIA+. Estou começando a acreditar que eles legislam sobre as suas masculinidades frágeis e inseguras.

Quero compartilhar com vocês alguns desses projetos para pensarmos nessa problemática da perseguição. PL que institui o Dia da Consciência Heterossexual no Estado, PL que dispõe sobre a proibição, em todo o território de Minas Gerais, da participação de crianças e adolescentes em eventos relacionado à Parada LGBTQIA+ e PL que estabelece o sexo biológico como único critério para definição do gênero em competições esportivas femininas oficiais (perseguição à população LGBTQIA+).

Há, também, PL que estabelece garantias à liberdade de expressão para comediantes em Minas Gerais, preservando a criatividade artística e o humor como forma de expressão cultural (o que potencializa o racismo recreativo). PL que dispõe sobre o uso facultativo de câmeras de monitoramento de vídeo e áudio nos uniformes da Polícia Militar, bombeiros, Polícia Civil, Polícia Penal, agentes socioeducativos (de forma contrária ao enfrentamento do genocídio da juventude negra). PL que institui o dia do nascituro (contrário à discussão sobre o aborto legal e seguro).

E sou totalmente contrária, numa sociedade brasileira tão desigual, à utilização de dinheiro público para que homens brancos venham legislar sobre as suas masculinidades frágeis e inseguras. Temos muitas outras prioridades para enfrentar no Parlamento. Em regra, no jogo democrático cada parlamentar está livre para legislar sobre o que lhe convém, e no meu caso eu sempre irei legislar para a construção de uma sociedade mais justa, mais igualitária e mais libertária. Uma sociedade em que as mulheres se sintam seguras e que todes se sintam respeitados pelo que desejam ser.

Nesse sentido, quero convidar toda a população mineira para participar da construção dos meus projetos de lei, bem como de toda minha incidência no Parlamento. A minha mandata fica mais fortalecida quando construímos esse diálogo com vocês. Convido, também, para participarem da Comissão de Direitos Humanos da ALMG, todas as quartas-feiras, às 15h30. Ela é um importante instrumento no Estado de Minas Gerais para o recebimento de denúncias de violações de direitos humanos. Estou sempre disponível, principalmente para aquelas e aqueles que nunca tiveram voz, para os grupos vulneráveis que cotidianamente são atacados.

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