Recentemente a Escola Nacional de Administração Pública (Enap) publicou um relatório de pesquisa intitulado: “Dark kitchens: uma análise econômica do modelo de negócios e de sua regulação”, fruto do trabalho do professor Cristiano Aguiar de Oliveira da FURG (acrônico usado para designar a Universidade Federal do Rio Grande, localizada no sul do Rio Grande do Sul).

O objeto de estudo, dark (ou cloud) kitchens, diz respeito às cozinhas compartilhadas por diversos restaurantes e que são usadas por aplicativos de entregas de refeição. Como destacado em “Delivering the Digital Restaurant: Your Roadmap to the Future of Food”, de Carl Orsbourn e Meredith Sandland (2022), os restaurantes digitais são o resultado de diversas mudanças que alteraram desde o custo de vida passando pelo perfil das famílias e levando ao crescimento de um padrão de consumo conhecido como IWWIWWIWI (um divertido acrônimo para “I want what I want when I want It” que, em uma tradução livre, seria: “Eu quero o que eu quero quando eu quero”).

Mudança de hábitos de consumo na pandemia

Até meados de 2020, quando se iniciou o longo período da pandemia, os aplicativos de entrega de refeições encontravam-se em ascensão e já tinham caído nas graças dos consumidores. Com o súbito fechamento de alguns estabelecimentos, incluindo restaurantes e bares, as empresas foram obrigadas a se adaptarem rapidamente a uma demanda mais e mais centrada nos pedidos feitos por aplicativos.

As dark kitchens, portanto, ganharam mais importância e, conforme o estudo de Cristiano Oliveira, parece que os hábitos de consumo adquiridos durante a pandemia se tornaram padrão. Mesmo com o fim da pandemia, as refeições com entregas em domicílio se tornaram mais uma opção para os consumidores.

Desafios da economia compartilhada

Como todo empreendimento inovador, o modelo de negócios da chamada “economia compartilhada”, como é o caso em questão, traz desafios para os reguladores. É sabido que as dark kitchens, em geral, localizam-se em áreas residenciais, dado que um dos itens mais importantes do consumo neste modelo é a economia de tempo.

Associados a esta vantagem, entretanto, são os efeitos indesejados deste processo produtivo tais como a poluição sonora causada por entregadores e os odores nem sempre agradáveis que escapam das cozinhas para a rua.

Menos concorrência, menos emprego, mais poluição

Na cidade de São Paulo, recentemente (Lei n.17853/2022), buscou-se resolver este problema, mas de uma forma que pode acabar gerando menos concorrência e perda de empregos por conta de um dispositivo específico que estabelece que novas “dark kitchens” em regiões com zoneamento misto, tenham um espaço limitado de até 500 m2 e um máximo de dez cozinhas instaladas. Acima disto, as “dark kitchens” terão que ser instaladas em zonas industriais, o que, claramente, acaba com o negócio de entregas de refeições.

Como ressaltado pelo pesquisador, mesmo que empreendedores tenham recursos para instalar uma cozinha compartilhada em um ponto muito mais distante do mercado consumidor, a maior distância percorrida pelos entregadores causa um efeito social indesejado óbvio: o aumento da poluição.

Além disso, ao criar a regra apenas para novos concorrentes potenciais, a lei termina gerando uma barreira à entrada a este mercado com efeitos já bem conhecidos e consagrados na literatura econômica: menos concorrência, menos empregos, preços mais altos ao consumidor. Estes são exemplos de consequências não-intencionais das políticas públicas: por melhores que sejam as intenções, o risco de a legislação causar um dano à sociedade é real.

Análise do impacto regulatório

Poluição e menos concorrência provavelmente não eram os objetivos iniciais dos legisladores. Ainda assim, são resultados que emergem da análise cuidadosa do prof. Cristiano Oliveira. Por que uma legislação é aprovada com estes efeitos sociais negativos? Uma possibilidade é que tenha faltado aos legisladores uma detalhada análise de impacto regulatório. Como se vê, a política nem sempre nos dá boas soluções para falhas de mercado.

(*) Claudio D. Shikida é professor de Economia do Ibmec-BH