Comentando a tão sonhada vacina, presenciei uma criança perguntando para a mãe se a vacina iria doer. Naquela fração de segundos, me passou pela cabeça tantas imagens vivenciadas em 2020 que a vontade que tive foi de responder: “Não vai doer, já doeu”.
No início, doía demais acompanhar todas as notícias, a eterna expectativa de se ficaríamos apenas 15 dias sem aula e retornaríamos depois, se o comércio ficaria fechado por muito tempo, se as pessoas poderiam voltar à “vida normal” rápido. Tudo isso doeu muito no início. Depois, a dor foi ficando mais forte – como aquelas cólicas de rins ou dor de parto que dizem que doem absurdamente. Foi uma dor que não passava. Doeu pra caramba ter que correr e se adaptar, aprender, inovar, criar, ressignificar, suportar, compreender, colaborar, ensinar, enfim, todos esses e tantos outros verbos que se fizeram presentes no dia a dia de todos nós. Doíam como feridas abertas.
Mas a dor maior foi quando as perdas chegaram mais perto, passaram de casos e números diários divulgados pela mídia para rostos, lembranças, presenças de gente próxima, amiga, familiar. Como doeu perder o único avô, mesmo que emprestado, conhecido pelos meus filhos. A morte do “vovô João da roça” no mês de agosto me sacudiu e me fez sentir uma dor tão apertada e próxima que comecei a ver os números de mortes diárias com outros olhares além do espanto. Comecei a ver que cada número trazia consigo uma vida que era preciosa para alguém. As mortes tomaram rosto e sentimentos pra mim após a primeira perda tão próxima.
Doía muito e também dava muita raiva quando ouvia pessoas negando a gravidade da doença. Ouvir as besteiras sobre o vírus foi uma dor imensa! Doeu e ainda dói como muitas pessoas politizaram uma questão sanitária, aproveitaram e transformaram uma tragédia mundial em palco de futuras eleições. Doeu cada vez que eu ouvia frases do tipo: “Não passa de uma gripezinha”, “E daí? Não sou coveiro” e outras tantas falas que me feriram e ferem profundamente.
Dói muito saber que tantas pessoas continuam levando a vida como se não existisse amanhã ou como se não houvesse vírus algum. Baladas, encontros em bares, sítios, festas e mais festas, em todas as classes sociais, em condomínios de luxo e comunidades, tanto ricos como pobres, ignorando que o vírus é invisível, que não vai matar ninguém se pegar numa balada ou outra.
Como educadora, me sinto fracassada. Será que a escola não conseguiu ainda, em pleno século XXI , fazer com que esses jovens e adultos, que se jogam em festas e encontros coletivos, saibam o que é consciência coletiva? Onde falhamos tanto que não conseguimos que nossos alunos aprendessem a importância da coletividade, que espécie de cidadão é esse que “produzimos” que não sabe lidar com o coletivo? E a empatia? Em qual aula eles faltaram? Ou, quem sabe, estávamos, nós, escola, tão preocupados com o ensino acadêmico que esquecemos de falar sobre empatia, solidariedade, respeito, e amor ao próximo.
Ah, minha pequena criança, por mais que uma fincada da agulha possa de fato doer, não chega aos pés de tantas dores que já sentimos.
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