Num final de semana em que bandidos travestidos de torcedores brigaram em alguns estádios e em seu entorno aqui, no Brasil; em que 12 pessoas morreram pisoteadas num estádio em El Salvador; a comemoração do título da Premier League pelo Manchester City (com direito a uma invasão ao gramado festiva e pacífica) poderia ter sido o exemplo mais significativo. Significativo no tocante à beleza de uma confraternização.
Mas eis que no jogo Valência 1 x 0 Real Madrid, pela La Liga, parte da torcida do time anfitrião resolveu agredir o atacante Vini Jr. da forma mais atroz com que um ser humano pode desqualificar outro. Racistas que entendem que a cor da pele diferencia pessoas melhores de pessoas piores.
Sem querer “puxar a brasa para a minha sardinha”, na minha novela “Tolerância”, abordei muitas dessas irreflexões, notadamente na entrevista de Luís Pessoa ao maior jornal espanhol, “El País”. Já antevendo incompreensões no tocante a se declarar adepto do Real Madrid ou Barcelona, incluída aí a questão política da Catalunha, o entrevistado brinca, saindo pela tangente e se declarando adepto de um time de menor expressão. No dia seguinte, na porta do seu hotel, adeptos desse clube foram para lá exigindo retratação pela ironia do escritor.
Se, de forma preconceituosa, entendemos a Europa atual como a realização perfeita do iluminismo aventado na pré-Revolução Francesa, infelizmente isso não se verifica na prática.
Só no meu livro, aludo à discriminação de africanos em Portugal, de muçulmanos na França, e verifico o nó górdio que é a convivência entre os povos.
Infelizmente, tudo isso só tende a piorar, pois Vini Jr. e outros pretos continuarão sendo chamados de “macacos”, fazendo-nos sentir saudades da falta de público nos estádios por ocasião da pandemia da Covid-19.
Naquele período, restava o espetáculo do futebol em si, com os atletas e corpo técnico. Se não sabemos conviver respeitando as diferenças e o direito de um ser Botafogo, outro Flamengo, outro Fluminense e outro Vasco, o mais recomendado são estádios vazios para se antever a ocorrência de crimes.
Vini Jr., que a sua revolta seja a de todos nós que nos indignamos frente ao insulto vil. Li a sua postagem de que pretende deixar o Real Madrid para não ter mais que disputar a La Liga, mas, meu caro “cria” do Flamengo, por onde atuar, essa pecha estará tatuada na sua alma, pois, como me ensinou o meu professor de filosofia na UFSJ, dr. José Mauricio de Carvalho, “a natureza humana é a natureza da besta-fera” (enquanto nos ensinava as lições de Immanuel Kant e santo Agostinho).
Marcelo Pereira Rodrigues é filósofo, escritor e palestrante