Pergunta para lá de complexa. Um assunto repleto de nuances. A mera resposta a esta indagação não indica necessariamente o grau de sensibilidade que determinado sujeito tem com relação a pandemia em si. O futebol permeia-se de idiossincrasias que podem levar um indivíduo, digamos, amplamente favorável a um ferrenho, a um inquebrantável lockdown, defender que se mostra plausível, sim, o prosseguimento das atividades nos campeonatos estaduais. São muitos os fatores a serem considerados. Lembremos que os Estados Unidos, devastados por números estratosféricos de mortes, foram capazes de erguer o mais bem-sucedido case de isolamento coletivo, de “bolha”, advindo durante este nefasto período que vivemos; playoffs da NBA, Disney, 2020. Pensemos também na adequada solução concatenada pela UEFA na Champions passada – jogos únicos em Lisboa.
Simbolismo
Noves fora uma apreciação mais pragmática acerca dos riscos envolvidos para os artífices das disputas, incluindo os anônimos coadjuvantes que operam nos bastidores, não devemos negligenciar a aura simbólica que o futebol carrega em nossa cultura. Talvez nenhuma atividade seja tão entranhada no cotidiano do brasileiro como o beautiful game. O brilhante Miguel Nicolelis atesta: “se o futebol continua, passa a imagem de que tudo está normal”. Eis um aspecto que não há de ser desprezado. Juca Kfouri, na esteira das reflexões em torno das mensagens não ditas, costuma lembrar da vocação que nossa modalidade revela para sugestionar aglomerações.
Sequelas
Em entrevista ao SportsCenter, da ESPN, Jorge Kalil, ex-médico do Corinthians, salientou faceta importante: a Covid vem produzindo efeitos diversos nos atletas contaminados; uns sentem bastante, outros nem tanto. Estudos apontam para chances altíssimas de sequelas tão graves quanto variadas. E por ser uma moléstia que ataca especialmente o pulmão, parte da nossa engrenagem tão vital para esportistas profissionais, bem-vinda se prova uma cautela até por zelo ao futuro das carreiras em pauta.
Protocolo x realidade
Inegável que, sobretudo no que tange ao universo dos clubes grandes, o futebol goza de um aparato estrutural, até mesmo intelectual – médicos consagrados, fisiologia (...) –, claramente excepcional. Nem todo o esmero no cumprimento de um leque infindável de protocolos, contudo, se aproxima de garantir imunidade. Ainda que se teste com disciplina estoica, a dificuldade de fazê-lo no exato instante em que o exame mostraria a verdade invariavelmente transcende a capacidade de planejar.
Indomáveis
Por mais que se crave – em geral, com razão – que o meio do esporte de alto rendimento se cerca de cuidados quase obsessivos, patológicos; que CTs nababescos permanecem embebidos numa redoma de completa esterilização, pelo que se sabe publicamente, e pelo que apuramos nos bastidores, pelo que podemos imaginar baseados num feeling ancorado em certa jurisprudência, não dá para confiar, em larga escala, que a maioria dos jogadores exala consciência em foro íntimo.
Deslize
Nos gigantes, surtos já assustaram – e não foram raros. Às vezes basta um deslize, de uma só pessoa, para todo um castelo ruir.
Veredito
Expostos pontos contrários e favoráveis à paralisação do futebol – escolha assaz abstrusa –, voto pela suspensão das partidas.