Célia Xakriabá

Minas Gerais precisa cuidar das suas mulheres

Violência de gênero na política do Estado

Por CÉLIA XAKRIABÁ
Publicado em 09 de novembro de 2023 | 07:00
 
 
 
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Precisamos falar sobre a violência política de gênero contra as mulheres do nosso Estado. Segundo o último boletim do Observatório da Violência Política e Eleitoral no Brasil, ao lado de São Paulo, temos o Estado com o maior número de ocorrências. Desde o primeiro semestre, estamos vendo a escalada das violências contra nós, parlamentares, que somos a garantia do avanço na luta por todas as mulheres. A todo instante, tentam nos calar, nos reduzir e, no caso da câmara federal, até nos cassar. Após o recente episódio de tentativa de cassação contra o meu mandato e o de outras cinco companheiras, agora, Minas Gerais é palco de investidas na Assembleia Legislativa e na Câmara Municipal de Belo Horizonte. 

Após meses de ameaças de morte, de estupro corretivo, agora, a ala dos que não suportam mulheres na política começa a questionar a escolta policial e medidas de seguranças das minhas companheiras em Minas. Se não bastasse não tolerar a nossa presença nos parlamentos, querem também nos impedir de viver. No lugar de medidas de responsabilização aos que nos atacam, querem que nós sejamos as responsabilizadas: seja vivendo com medo, seja nos privando de espaços de lazer, do convívio com a família. Chega a pontos extremos demais. 

Sempre digo que nós, povos indígenas, nunca podemos escolher não lutar. Afinal, eles invadem nossos territórios, nossas casas. A luta não é uma escolha para nós. Hoje, tenho achado que também não é para nós, que ocupamos espaços na política institucional. Como permanecer diante da barbárie? Como permanecer diante das inúmeras tentativas de nos paralisar. Seguimos firmes, unidas e em luta, mas não consigo não fazer essas perguntas. 

Em Minas, somente entre os meses de julho e setembro, foram 13 casos de ameaças e violências contra parlamentares. Na Câmara dos Deputados, 70% dos processos na comissão de ética são contra mulheres. Acham que a única coincidência é o fato de sermos mulheres? Não mesmo. A maioria são mulheres progressistas, diversas, que defendem mudanças estruturais na vida das pessoas. 

Se o Enem nos lembra da urgência em olhar para a carga do trabalho do cuidado, também precisamos colocar a importância de olhar ao cuidado quando fazemos política. Somos as que fazem política com cuidado, mas essa palavra está longe do que recebemos dos nossos pares. E não falo apenas dos que muito berram e pouco escutam. Muitas vezes, são os engravatados aparentemente educados, que dizem apoiar as mulheres e os povos indígenas, os que assassinam nossos direitos. 

Eu os lembro aqui que esses ternos não serão eternos. A força da minha ancestralidade me mantém na luta, sempre com os nossos cantos, com o colorir do urucum e hoje, digo que também empresto a força do nosso mulherizar a todas as companheiras que estão a todo instante sendo violadas. Nos unir é a única saída para garantir a nossa permanência e para que, cada vez mais, outras de nós cheguem a esses lugares. Ampliar a participação das mulheres e elevar a nossa democracia. E de mulheres diversas. 

Indo além, acredito que só teremos territórios e cidades mais seguras para todos, se olharmos para as mulheres. A garantia de políticas efetivas de proteção e de combate à violência contra nós é urgência em um dos Estados que mais mata mulheres em casos de feminicídios. Ainda nesta semana, fui relatora de um Projeto de Lei que inclui nas políticas de combate às violências, a especificidade das mulheres indígenas. Queremos ir ainda mais fundo nesse tema e tenho um outro projeto que cria uma lei específica, que considera as necessidades dos territórios, as necessidades de considerar nossas culturas, nossas línguas e de um atendimento que seja específico. 

A saída é por nós, mulheres, que somos as que estamos na política brigando por esses avanços. Só conseguiremos reduzir o número de feminicídios, de violências, de estupros e qualquer violação se tivermos mulheres olhando para esses temas com a seriedade que eles precisam. E mulheres que possam fazer esse trabalho em segurança, com dignidade e que possam permanecer para ampliar. Se essa não for uma defesa de toda a sociedade, estamos fadados ao fracasso. 

Para nós mulheres indígenas o reflorestar da política é também o mulherizar. Contra violação, somente mulheração.

CÉLIA XAKRIABÁ é deputada federal (PSOL-MG)

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