Belo Horizonte abriga uma cidade que não aparece nos mapas, mas que se revela nos gestos cotidianos: no cheiro da comida distribuída por uma cozinha comunitária, na cura compartilhada em uma horta, no abraço entre mães que trocam saberes e resistências. São espaços que florescem onde o Estado muitas vezes não chega, mas onde o cuidado habita faz tempo. Iniciativas que brotam da urgência e da solidariedade, criadas por mãos muitas vezes invisibilizadas: uma maioria de mulheres negras, periféricas, que tecem vida mesmo diante das ausências.

Chamamos esses espaços de “Territórios de Cuidados”. São experiências de resistência comunitária que mantêm o tecido social vivo e mostram que o bem-estar coletivo não deve ser uma responsabilidade solitária. Nesses territórios, o cuidado é força política, o afeto é ação, e a solidariedade é prática diária. São redes vivas que garantem, para quem vive nas bordas, mais do que o mínimo: asseguram dignidade, pertencimento e a chance real de viver com qualidade e com tempo para si e para os outros.

A valorização dos cuidados como prática política tem sido um dos principais compromissos do meu mandato de vereadora. Ao longo dos últimos anos, tive a oportunidade de conhecer, no Brasil e em diversos países da América Latina, experiências potentes de redes comunitárias que sustentam a vida. Inspirada por esse aprendizado e pelas importantes elaborações feitas pelo Coletivo Etinerâncias no livro “Redes de Cuidado: Revoluções Invisíveis por uma Vida Vivível”, acredito que este é o momento de construir alianças duradouras em defesa dos Territórios de Cuidados. Assim como aconteceu com os Pontos de Cultura, é hora de reconhecer, fortalecer e conectar as práticas que já transformam os territórios a partir da base.

Desde 2023, temos destinado recursos de emendas parlamentares para políticas públicas e iniciativas de cuidado que já existem em nossa cidade. Agora, começamos a colher os primeiros frutos desse compromisso. Além de avançarmos na regulamentação da Lei Municipal da Política de Cuidados, uma iniciativa legislativa que colocou Belo Horizonte na vanguarda do tema, queremos consolidar ações que iluminem e fortaleçam o trabalho que já pulsa nos territórios. Um exemplo disso é o edital Territórios de Cuidado, lançado em agosto pelo Instituto Cultural AbraPalavra em parceria com a Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos de Belo Horizonte, com colaboração do Coletivo Etinerâncias e que segue com inscrições abertas até o dia 12 de setembro. Mais do que um apoio pontual, essa iniciativa marca o início de um esforço institucional para reconhecer e sustentar práticas fundamentais à vida coletiva. Afinal, cuidar também é fazer política.

É preciso reconhecer que o futuro das cidades não se constrói apenas com cimento e tijolos, mas também com as redes que sustentam a vida nos territórios. Os Territórios de Cuidados são provas concretas de que outras formas de fazer política são possíveis: mais sensíveis, mais colaborativas, mais conectadas com as necessidades reais das pessoas. Valorizar essas experiências é enfrentar de frente a lógica que historicamente marginalizou o trabalho de cuidado feito pelas mulheres e afirmar que, sem elas, não há democracia plena.

Fortalecer o cuidado como política pública é, portanto, um gesto de compromisso com a justiça social, com a equidade e com um projeto de cidade verdadeiramente democrática. Essa é a cidade que queremos e que precisamos construir com coragem, com afeto e com as mãos de quem já cuida todos os dias, mesmo sem ser vista.