Muito antes do coronavírus, os políticos democráticos brasileiros já evitavam apertar as mãos uns dos outros. Preferiam se ligar aos políticos de direita a fazer alianças entre si pelas reformas que o Brasil precisava. Preocupados mais com a próxima eleição do que com o país, concentraram-se na disputa por eleitores. Aproveitando-se disso, políticos conservadores tentam agora manipular a população contra o Congresso Nacional e a democracia.
Quem se lembra da história percebe que assistimos à repetição de uma tragédia: o descontentamento da população com os parlamentares, a polarização de forças políticas que não dialogam, a ligação da esquerda com a corrupção, um país sem coesão nem rumo e sem inspiração para o futuro e o esgotamento do modelo de desenvolvimento depredador da natureza, concentrador da renda e dependente de recursos do Estado. Falta só um catalisador para levar milhões às ruas, e ele pode surgir a qualquer momento.
Se realmente querem barrar o risco de um governo autoritário, os líderes democrata-progressistas deveriam manifestar unidade, construindo um pacto pela ética, pela responsabilidade na política e pelas reformas. Em 1964, os que disputavam entre si, pensando na eleição de 1966, foram presos, cassados, exilados, jogando o país no abismo da ditadura. Ainda é tempo de evitar que a tragédia se repita.
Seria necessário um acordo histórico. Líderes democratas e progressistas deveriam reconhecer o erro da divisão e da tolerância com privilégios que têm caracterizado a política brasileira. Sem que reconheçam isso, o eleitor é capaz de se submeter às manipulações dos que desejam fechar Congresso e STF. Uma ditadura será produto da direita, mas terá sido construída ao longo de 26 anos por nossos governos democráticos e populares.
Apesar das boas coisas feitas entre Itamar e Temer, passando por Fernando Henrique, Lula e Dilma, nós ainda deixamos o país com pobreza, concentração de renda, analfabetismo, baixa produtividade, educação entre as piores do mundo, recessão, desemprego e sem saneamento. Não fizemos as reformas e ainda ampliamos privilégios. Deixamos a política como sinônimo de corrupção.
Não haverá apoio à democracia se os políticos não definirem estratégias para que o Brasil tenha o filho do pobre em escola tão boa quanto a do rico; toda casa tenha saneamento; o real permaneça estável; nossas florestas e rios fiquem protegidos; a população tenha acesso a serviços públicos de qualidade; e o Estado esteja comprometido com interesses do público.
É preciso barrar qualquer golpe à democracia. Para isso, é necessário convencer o povo a defendê-la. Mostrar que os democratas estão unidos, reconhecendo seus erros, propondo-se a moralizar o serviço público e reformar o Brasil para sintonizá-lo com a realidade do mundo em transformação em que vivemos.