Razão e liberdade são conquistas do iluminismo, que rompeu com o obscurantismo medieval, com a tirania dos monarcas e com a crença absoluta na fé. A partir de então, o mundo experimentou progresso científico, tecnológico e econômico contínuos, e a democracia tornou-se o regime político dominante no Ocidente.
Não que tudo tenha sido um mar de rosas. Crises econômicas e políticas, pandemias e guerras, governos autocratas e desigualdade econômica e social fizeram parte dessa história.
Uma das questões mais complexas na esfera política é o uso intencional da mentira como instrumento de poder. Hannah Arendt, que em seu texto “A verdade e a política” analisa a diferença entre realidade e opinião, assinalou: “o que parece ainda mais perturbante é que as verdades de fato incômodas são toleradas nos países livres, mas ao preço de serem muitas vezes, consciente ou inconscientemente, transformadas em opiniões – como se fatos, como o apoio de Hitler pela Alemanha ou o desmoronamento da França diante dos exércitos alemães em 1940, ou a política do Vaticano durante a Segunda Guerra Mundial, não fossem da ordem da história, mas da ordem da opinião”.
Com a expansão das redes sociais, verdades e mentiras se confundem nas nuvens dos posts e da disseminação das fakes news no enlouquecido ambiente das redes sociais, propício para a divulgação de inverdades, induzindo as pessoas a nelas acreditarem como se reais fossem. A mentira foi potente instrumento de opressão no nazismo e no comunismo e, hoje, é uma arma venenosa contra a democracia.
No Brasil, muitos são os exemplos de difusão de mentiras para iludir a população. O presidente Bolsonaro tem usado esse artifício para criar um estado de ódio, ansiedade e medo e como instrumento de afronta aos Poderes e às bases do sistema democrático. Basta registrar, como exemplos entre tantos, a repetição de sua incorreta interpretação de decisão do Supremo Tribunal Federal sobre as atribuições dos entes federados no enfrentamento da pandemia para esconder sua incompetência e suas incursões no terreno da charlatanice, ou sua insistência em acusar a vulnerabilidade das urnas eletrônicas, sem apresentar prova alguma, para antecipar sua rejeição ao resultado da próxima eleição, se não lhe for favorável, e ademais o uso de expressões como “eu sou a Constituição” e “meu exército”.
Também identificado como pós-verdade, o pós-iluminismo, recorrendo ao obscurantismo e à irracionalidade, está corroendo as instituições e colocando em risco a democracia.
No próximo ano, o que estará em jogo não é a escolha entre esquerda e direita, mas a opção entre democracia e autocracia. Tema difícil para obter apelo eleitoral, mas essencial quando se perde a liberdade. Há de se estar atento, antes que seja tarde.
*Dedico esta coluna ao meu neto, João Pedro, que, no Colégio Santo Antônio, está conhecendo a relevância do iluminismo.