Ler uma bula de remédio pode dar a sensação de ser um verdadeiro médico. Com a disseminação da informação, isso é cada vez mais comum. Não é um completo equivoco, se a medicina é feita assim: um remédio para cada sintoma... Tratar assim, "qualquer um" consegue. Embora muitas vezes a medicina seja praticada dessa forma – seja porque o médico adota essa prática ou porque o paciente só quer eliminar os sintomas desagradáveis –, construir saúde é muito diferente dessa prática superficial.
Construir saúde é muito diferente, envolve compreender o funcionamento do corpo, e o sintoma é apenas o sinal, a forma de o corpo comunicar que algo não está bem. Muitas vezes, abolir os sintomas atrapalha a compreensão do que está se desorganizando no corpo.
Em regra, nenhum problema sério aparece subitamente, mas muitas vezes é assim que ele é percebido pela nossa sociedade. Isso ocorre porque o corpo fala, mas estamos perdendo o hábito de escutar e, mais que isso, de perceber as alterações da funcionalidade do corpo.
Se as fezes ficam endurecidas, ou se passam vários dias sem conseguir ir ao banheiro, por que viver esse desconforto se existem vários remedinhos que podem resolver? Há sempre um vizinho, amigo ou parente que já viveu situação semelhante e tem uma "receita" infalível. Resolvido o desconforto, quem precisa de médico? Concordo que, para isso, realmente não é necessário médico.
O médico se faz necessário para compreender por que o intestino não está funcionando adequadamente, para auxiliar o paciente a compreender as consequências do seu estilo de vida, conhecer as vulnerabilidades prévias do corpo e estabelecer uma estratégia de cura verdadeira.
Somente abolir sintomas permite que a doença se aprofunde, e muitas vezes um tumor de intestino começa com uma simples alteração dos hábitos intestinais, que não foram observados e respeitados. Uma boa consulta envolve entender os sintomas e suas causas, minimizar o sofrimento, mas também compreender o processo de alteração do corpo e prevenir doenças futuras.
Não enxergar além contribui para uma sociedade muito adoecida, pois perde-se a oportunidade de educar o paciente para construir uma vida saudável. Isso ocorre com todos os sintomas que o corpo apresenta. Se focamos apenas em fazer com que o problema desapareça o mais rápido possível podemos acabar perdendo uma grandiosa janela de oportunidade que em regra, nos dá chance de evitar danos maiores, mas isso exige um treinamento que, às vezes, é negligenciado.
Entendo o desejo de eliminar desconfortos, mas é possível buscar o alivio do sintoma sem que ele seja ignorado, seu corpo conversa com você. Se você não o escuta, ele começa a gritar, e o sintoma piora. Sentir para criar uma conexão com o corpo é algo cada vez menos permitido.
Um bom médico não é um simples eliminador de sintomas, é um catalisador do processo de cura do paciente.