A foto de um adolescente sorridente, com largos espaçadores de orelha e corte de cabelo degradê – morto a tiros em confronto com a polícia – é um símbolo na Colômbia dos protestos que tomam simultaneamente Chile, Bolívia, Peru e Venezuela, países dos mais diversos matizes ideológicos na América Latina dentro de um fenômeno dissecado com profundidade em caderno especial publicado hoje em O TEMPO.

De certa forma, esse jovem que pouco se referia à política em sua rede social e se transformou num mártir da contestação ao regime pode ser visto como uma alegoria da “maldição da volatilidade” – tese defendida pelos cientistas políticos Cesar Zucco e Daniela Campello, na qual a bonança dos bons tempos dá lugar ao mal-estar social e à instabilidade do regime devido a fatores externos sobre os quais não se tem domínio.

O minucioso trabalho dos repórteres Litza Mattos, Alex Bessas e Gabriel Rodrigues mostra os diversos componentes da instabilidade expostos nos levantes das ruas do continente. Do elemento econômico, com Estados dependentes da exportação de commodities diante de um mercado global em transição para o capitalismo digital, ao fator histórico, de uma colonização exploratória monocultora que não criou canais para o desenvolvimento indígena.

Percorre aspectos culturais e institucionais que interligam povos e países aparentemente díspares, como o onipresente papel das Forças Armadas, o tortuoso acesso popular à representação e à voz, bem como a cíclica tentação autoritária e populista.

Trata-se de uma maldição da qual o Brasil – que viveu suas Jornadas de Junho ainda em 2013 – não escapa e que ajuda a compreender esse movimento de massa no qual “el nombre del hombre muerto es pueblo”.