Fome de viver

Como se não bastassem as mais de 330 mil vidas que tirou até agora, a pandemia do coronavírus levou à fome 19 milhões de brasileiros. É como se quase toda a população de Minas Gerais não tivesse o que comer em um país que bateu recordes na produção de grãos e exportou 8% mais carne bovina e 36% mais suínos que em 2019.

Os dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil mostram que o coronavírus fez o país recuar aos níveis de 2004. Um total de 116,8 milhões de brasileiros (55,2% da população) enfrentaram dificuldades para prover nutrição adequada a seus lares, sendo que 43,4 milhões nem sequer tinham comida suficiente.

Trata-se de um reflexo do empobrecimento, também agravado pela pandemia. Segundo pesquisa da FGV Social, em janeiro deste ano, 27 milhões de pessoas viviam com menos do que R$ 8,20 por dia – o mais alto nível de pessoas na miséria em uma década –, uma situação que havia sido amenizada com o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 no ano passado.

Apesar de programas de renda básica serem necessários, urge ir além e atacar as bases do problema. O caminho começa por criar condições de gerar vagas de trabalho de qualidade, pois não há como fugir da fome e da pobreza com 14 milhões de desempregados. E ocupações que paguem salários condizentes dependem de trabalhadores capacitados, algo quase impossível de se conseguir no longo prazo quando 1,38 milhão de crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos estão fora da escola – além dos 5,5 milhões que não tiveram aulas devido ao isolamento.

Independentemente da Covid-19, o Brasil tem fome: de comida, sim, mas igualmente tem fome de educação, de trabalho e de uma vida com justiça e dignidade.