Crônica

Comemoração vazia após temporada de prêmios pra escancarar solitude estrangeira

Foi além do que imaginava fora do país, precisando lidar com isolamento dentro de grupo que não o merecia

Por Daniel Ottoni
Publicado em 12 de julho de 2021 | 19:42
 
 
 
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Depois de fazer toda a categoria de base no clube da sua cidade, teve a sorte de jogar a maior competição de vôlei do país com apenas 18 anos. 

Foi visto em torneio sub-18 e deu a sorte de um 'olheiro' estar por ali. O agente veio ao seu encontro logo após a partida, foi pego de surpresa, nem sabia que existiam empresários de jogadores, só queria saber de jogar seu esporte favorito.

O convite logo veio para uma semana de treinos em São Paulo e não foi difícil ter autorização do clube. Os pais ficaram mais receosos, mas sabiam que era uma grande oportunidade. A mãe o acompanhou, a altura chamava atenção, mas o que fez a diferença foi sua qualidade técnica, os golpes variados, o braço rápido. 

Caiu em um elenco com algumas estrelas, era um reserva, alguém para completar o grupo. Voltou a ver o destino lhe sorrir com uma oportunidade que muitos não gostam de ter quando um colega de time se machuca. A longa recuperação o fez virar titular de um dia para o outro, ganhando minutos de quadra e mostrando serviço desde o começo.

O nervosismo foi ficando pra trás, os erros diminuíram, seu nome foi sendo mais conhecido. No final da temporada, um novo convite, agora pra jogar fora do país. Mas já?

Apesar da liga mediana, seria uma das referências técnicas de um time com pretensões de incomodar os grandes. A grana encheu seus olhos, pensou muito na família, viu aquilo como uma oportunidade única. Desta vez, foi sozinho, se virando com língua, comida, cultura e um grupo totalmente novo de jogadores. Não demorou a perceber os olhares estranhos, e logo se viu isolado, pensando no que poderia ter causado o incômodo nos companheiros de time.

A cor da pele diferente? O cabelo enrolado, a dificuldade para se comunicar? Se fosse pensar no que os outros tinham de motivos, iria enlouquecer.

Estava no meio de um tanto de gringo que não sabia o que era pé na terra vermelha nem desconfiavam das várias dificuldades que teve pra chegar ali. 

Tapinhas nas costas se tornaram comuns, mas sabia que não tinham valor. A força que o fez chegar até ali o motivou a focar no que acontecia dentro de quadra. Estava ali pra isso.

Era do ginásio para casa, treinos, recuperação, sono, descanso e o apoio da família de longe. Sugeriram que ele voltasse, mas nem cogitou abrir mão de tudo que tinha conquistado pra ir embora na primeira dificuldade por causa de preconceito de jogadores de nível e caráter mediano. 

Conseguiu levar o time ao torneio continental que nem estava entre os objetivos iniciais da diretoria. Foi o maior pontuador do campeonato, virava bola como poucos no torneio.

Foi eleito o destaque do time, esteve na seleção do campeonato. A bola que garantiu a classificação foi sua, com o time pulando de alegria após o último ponto, alegria total, aparentemente. 

Mesmo com todos comemorando ainda em quadra, o isolamento deu as caras novamente, sem nenhum dos companheiros fazendo questão de ir ao seu encontro para um simples abraço. O golpe, neste momento, foi mais duro do que das outras vezes. 

Quem estava do lado de fora, poderia jurar que a união do grupo foi responsável por um momento histórico. Os segundos de êxtase eram mais pela conquista individual e superação do que pelo gosto de fazer algo pelo time. 

Sabia que o resultado final seria importante para seu crescimento, mas ali não poderia pensar de outra maneira, preso em um ambiente nada favorável. 

Demorou a sair do ginásio, refletindo sobre toda a temporada de superação, os momentos que havia atravessado, sentindo um enorme orgulho do que tinha feito, de onde tinha chegado. Olhava para os prêmios como uma recompensa ainda maior pelos seus feitos. 

A família estava longe mas ao seu lado, ao mesmo tempo. Agradeceu o convite para estar presente no restaurante de comemoração, seria um 'peixe fora d´água'. 

Não externou sua insatisfação, não valeria a pena. Pensava apenas no retorno pra casa. O dinheiro e a experiência tinham sido proveitosos, mas nada paga a vivência de ser bem aceito e estar com uma atmosfera favorável para desenvolver seu melhor vôlei.

Não considerava um erro ter aceitado o convite, mas sabia que tinha ido cedo demais, com a experiência sendo útil e servindo como um dos maiores aprendizados da carreira que apenas começara.

Liga estrangeira de novo só valendo muito a pena, conhecendo melhor o elenco e o pais, de preferência com algum conterrâneo ao lado. 
 

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