Com 37 anos, a educadora física Mariana Pontes Marques se prepara para a final do Circuito Mundial de corrida de aventura, que vai acontecer entre os dias 1º e 9 de outubro na cidade de La Coruña, na Espanha.
Marianinha, como também é conhecida, é natural de Nova Lima e cresceu entre as montanhas e trilhas da cidade da região metropolitana de Belo Horizonte.
Há sete anos, seus desempenhos expressivos a fizeram ser convidada pela equipe Tracktherace Adventure Team para uma prova teste. A vitória mostrou que a decisão havia sido acertada na brasileira, que se acostumou que provas que testam os limites.
Nas corridas de aventura, ela vivencia quatro modalidades obrigatórias: mountain bike, trekking, remo em caiaque e conhecimentos de cordas. Trail run e mountain bike também estão entre suas especialidades.
Recentemente, ela completou desafio de bike entre Paraty (RJ) e Ouro Preto, um percurso de 700km em 64 horas. A Patagônia Expedition Race, em 2018, também está entre suas maiores conquistas em uma aventura de mais de oito dias de duração.
Nesta entrevista exclusiva, ela fala sobre sua trajetória, o fato de ser homossexual e fazer parte de um trisal (pessoa que vive com mais de uma companheira).
Participa de corridas de aventura desde quando?
Quem te influenciou a entrar neste mundo?
Participo de corridas de aventura desde 2001. Acho que corrida de aventura não é uma influência e sim, um lifestyle. Desde criança, eu sempre vivenciei experiências pouco urbanas e, embora tivesse uma rotina normal como qualquer criança nascida na cidade grande, a minha grande emoção acontecia quando eu ia acampar com meus pais e vivenciávamos caminhadas em trilhas, cozinhávamos em fogueira, usávamos lanterna, além da longa experiência que tive com meus avós. Eles sempre moraram em zona rural e durante os longos períodos que passava ao lado deles quando estava em férias escolares, eu pude desenvolver muitas capacidades em contato com a natureza.
Os eventos que vc participa, em sua maioria, são mais de corrida?
Eu participo de eventos desportivos principalmente nas modalidades: trail running, mountain bike, e corrida de aventura. Tanto trail run como mountain bike são modalidades que gosto de participar por sentir grande prazer em correr e pedalar mas também, para aumentar meu desempenho físico na modalidade corrida de aventura que é um esporte de formato multi-sport. Posso dizer que a corrida de aventura é minha maior paixão. Nessa corrida de aventura vivencio quatro modalidades obrigatórias que são mountain bike, trekking, remo em caique e conhecimentos de cordas.
Queria que você falasse um pouco do evento de bike que participou recentemente entre Paraty e Ouro Preto.
Como disse, a bike é um dos pilares da corrida de aventura, e é exatamente essa grande experiência de mais de 20 anos de prática no esporte de endurance, que me deu capacidade para superar um desafio tão extenso.
Foram 700km pedalando sem parar ou parando o mínimo possível. Uma exigência física sim, mas, o maior desafio realmente está na capacidade de você conduzir a sua mente ao sucesso. Foi uma experiência incrível que pude viver com o apoio de algumas pessoas.
Prefere participar de eventos com os homens para aumentar seu nível de competitividade?
Historicamente, os homens sempre foram mais incentivados a atividade física do que as mulheres. Isso naturalmente faz com que o número de homens participando de eventos esportivos seja maior. No entanto, já é sabido que as mulheres estão cada dia mais presentes em toda e qualquer modalidade competitiva para que assim o esporte feminino possa se desenvolver e elevar o seu valor.
Pela atleta que sou, participo de competições entre homens e mulheres para fazer parte desse movimento de incentivo. Como dito, um dos meus objetivos é incentivar outras mulheres à prática esportiva, mostrando que as dificuldades postas são meros paradigmas sociais e culturais que devem ser também vencidos. Além das competições individuais, é importante ressaltar que a corrida de aventura é um esporte obrigatoriamente realizado em equipes mistas.
Como é sua rotina de treinos?
Uma vez que sou atleta amadora sempre tive que dividir o tempo dos meus treinos com minha atuação profissional e a rotina de qualquer indivíduo adulto. Trabalhar como personal trainer é algo que sempre me aproximou da realidade esportiva. Junto dos meus treinos específicos de bike, corrida e Kayak, eu procuro manter um treinamento de força pra que possa preparar meu corpo e mente para a grande demanda das provas de longa duração. Divido meus treinos específicos ao longo da semana em um total de 9-12 horas, entre corrida, bike e caiaque.
Quais os resultados mais expressivos e marcantes?
Partindo da ideia da minha grande paixão pela aventura, muito embora tenha conseguido muitos pódios e vitorias durante esses mais de 20 anos de prática esportiva, acredito que resultados expressivos não são necessariamente estes pódios ou prêmios em dinheiro, mas sim, as oportunidades de evoluir minha mente, me tornando mais resiliente e capaz de manter-me confortável mesmo diante das mais duras adversidades.
Já fiz provas ao redor de todo o mundo incluindo América do Sul, América Central, África, Europa e até Oceania e posso dizer que cada uma delas mesmo uma que tenha sido à 40km da minha casa em Nova Lima, deixou uma marca profunda e colaborou para que eu me tornar-se a pessoa e a atleta que sou hoje.
Agora, se pudesse destacar, acho que ser a única mulher a fazer o trecho Ouro Preto-Parati, de bike, em 64 horas, no sistema do menor número de horas possível é uma marca e uma vitória pessoal muito grande. Uma outra grande prova que entrará para minha coleção de histórias incríveis também foi a Patagônia Expedition Race (PER) edição 2018.
Fizemos uma excelente equipe integralmente Brasileira e finalizamos na 5a colocação. Foi uma prova totalmente inóspita, regada com o que há de mais agressivo em termos de condições climáticas, em um dos locais mais hostis da terra: às margens do Estreito de Magalhães, no extremo Sul da América do Sul, na Patagônia Chilena. Conseguimos completar a prova em 8 dias e 10 horas. A exigência física e mental foram elevadíssimas e as lembranças das superações só me fazem ainda mais feliz e recompensada pela força, pela vida esportiva que tenho.
Como aconteceu este convite de uma equipe espanhola?
Posso dizer que sou uma atleta de elite na corrida de aventura. Há mais ou menos 7 anos atrás, a expressividade do meu desempenho individual chamou a atenção dessa equipe Galega, e eles me convidaram pra fazer uma prova teste juntos. Nós ganhamos essa prova em Portugal e, desde então, temos corrido as etapas de circuito mundial de corrida de aventura como equipe. A prova que vou realizar é a grande final do circuito mundial 2021 de corrida de aventura que acontecerá agora do dia 01 de Outubro até o dia 09 de Outubro na cidade de A Coruna, na Galícia, Espanha.
Já sofreu preconceito por ser homossexual em algum evento?
A minha sexualidade nunca interferiu, mas a questão de gênero e o sexismo sempre estiveram lá.
Infelizmente no esporte ainda existe essa desvalorização da presença da mulher. Exatamente por ser muito forte e resistente já fui comparada com homens ao invés de ser referência como mulher. Por exemplo: “nossa você é tão forte que você parece um homem.” Já passei também por situações de discriminação que colocavam a minha capacidade competência como atleta em dúvida.
Viver em um trisal é mais comum do que as pessoas pensam? Quais os pontos positivos deste tipo de relação?
Comum não é, mas famílias alternativas ou não tradicionais sempre estiverem presentes na história. Olhando os exemplos de família hoje em dia, o que realmente ficou comum é que não existe mais “famílias tradicionais.” Sobre as vantagens de fazer parte de um trisal, acredito que uma delas está na oportunidade de apoiar e dividir com mais cabeças pensantes diálogos que trazem maturidade utilizando múltiplas perspectivas.