Nesta quinta-feira (26) faz uma semana que morreu Francisco Cuoco. Foram 91 anos de vida, dos quais mais de 60 foram dedicados à dramaturgia. Especialmente na televisão, o ator se consagrou como um de seus maiores ícones, ainda que tenha sido tachado como galã, já que sempre foi muito bonito. O selo de galã embotou o olhar de muita gente para seu talento, diversas vezes comprovado.
Antes que porventura alguém estranhe o título do texto, que escrevo apenas hoje porque deixei passar propositalmente alguns dias a fim de que a tristeza diminuísse, só estive na presença de Francisco Cuoco uma vez. Mas meus encontros com ele no decorrer da vida, conforme pude conhecer e apreciar diversos de seus trabalhos no cinema e principalmente na televisão, de personagem em personagem, ajudaram a moldar meu amor pela teledramaturgia, que tem me guiado até profissionalmente já faz alguns anos.
Ainda bem criança, eu já me impressionava com Francisco Cuoco no papel de Otto Bismark, numa novela das 19h de Silvio de Abreu, chamada Deus nos Acuda (1992-1993). Era um milionário, que iniciava a história enterrando a segunda esposa, de cuja morte era suspeito. A cunhada Baby (Glória Menezes) voltava ao Brasil após longa ausência para investigar as circunstâncias da morte da irmã, e isso a reaproximava daquele que era seu grande amor de sempre – Otto, claro.
Lembro-me da minha mãe, das vizinhas do prédio, de mulheres de idades e características variadas, sempre exaltando a beleza e o talento de Francisco Cuoco – que passados mais de 90 anos ainda se conservava, em que pesem as circunstâncias difíceis de seus últimos tempos, acima do peso, com problemas renais e de locomoção, conforme soubemos. Minha mãe recebia algumas clientes em casa para cuidar das unhas, e o espaço para isso era uma parte do quarto que eu ocupava com meus irmãos – um quarto grande, que com a saída deles de casa ficou sendo só meu.
Os anos foram passando, eu sempre gostando de assistir a novelas, e Francisco Cuoco presente nelas de tempos em tempos. Para mim sempre foi natural que ele estivesse entre os atores principais das produções, e mais ainda quando fui conhecendo sua trajetória através dos jornais, das revistas e de livros como o Memória da Telenovela Brasileira, de Ismael Fernandes, que copiei a caneta inteirinho nos idos de 1998, 1999.
Do que vi inédito, guardo com carinho a lembrança dos poucos capítulos em que ele esteve em cena como o advogado Hélio Ribeiro, diretamente ligado aos assassinatos misteriosos de A Próxima Vítima (1995), outra de Silvio de Abreu. Também de Silvio, Olavo da Silva, o Rei do Lixo, em Passione (2010).
Com João Emanuel Carneiro, o engraçado Pai Gaudêncio de Da Cor do Pecado (2004). Em América (2005), de Glória Perez, o respeitado Zé Higino, peão de boiadeiro das antigas. E claro, o deputado e fazendeiro Severo Toledo Blanco em O Salvador da Pátria (1989), infeliz no casamento, mas apenas em certo sentido, personagem criado por Lauro César Muniz.
Fora as oportunidades proporcionadas pelo Vídeo Show, com trechos de novelas antigas quando reprisá-las não era comum como tem passado a ser, mais as leituras de material sobre a história da telenovela, as trocas de material com colecionadores, o YouTube e possibilidades como os boxes de DVDs, o Canal VIVA e o Globoplay proporcionaram enfim que minha geração conhecesse alguns clássicos.
Quem assistir a Selva de Pedra (1972-1973), Pecado Capital (1975-1976) e O Astro (1977-1978), todas de Janete Clair, vai poder entender não apenas por que a autora se consagrou no imaginário do público brasileiro com histórias fortes, românticas e emocionantes, como também terá três demonstrações do talento de Francisco Cuoco a protagonizar as três histórias, em personagens completamente diferentes entre si e que exigiram dele muito além de beleza, carisma e magnetismo.
Cristiano Vilhena, José Carlos Moreno (o Carlão) e Herculano Quintanilha entraram para a galeria dos grandes personagens da teledramaturgia por terem perfis com nuances elaboradas e realistas, ao mesmo tempo em que conservaram a atmosfera de sonho que a telenovela pede, com seus conflitos amorosos e emocionais.
No Brasil dos anos 1970, um tocador de bumbo que passa a liderar um estaleiro, o taxista em dilemas morais por meter a mão no fruto de um assalto a banco esquecido em seu carro e o bruxo de churrascaria que se infiltra numa família de árabes ricos enriqueceram o painel de possibilidades da nossa teledramaturgia. E tiveram em Francisco Cuoco um intérprete mais do que adequado, ideal.
A cada novo trabalho, a cada entrevista, a cada informação descoberta em meio a muitas pesquisas, um novo encontro com um ator que sempre deve ser lembrado pela sua relevância no cenário da dramaturgia do Brasil – especialmente a televisiva. Francisco Cuoco teve sempre os pés no chão, nunca esqueceu sua origem humilde, suas dificuldades, o compromisso com a realização de um bom trabalho.
Em atividade a partir da década de 1950, o ator cresceu na carreira junto com a ascensão da telenovela no Brasil, e seu estilo de interpretação teve grande papel na solidificação do gênero junto à audiência. A seu lado, outros veteranos de trajetória contemporânea, igualmente relevantes, como Tarcísio Meira, Glória Menezes, Regina Duarte, Mauro Mendonça, Rosamaria Murtinho, Lima Duarte, Dina Sfat, Paulo Goulart, Nicette Bruno, Aracy Balabanian, Eva Wilma, Carlos Zara e tantos mais.
No início de 2008, eu havia acabado de voltar a morar na região central de São Paulo – onde nasci e vivi até os 8 anos, e de onde nunca me desliguei totalmente – e soube que Francisco Cuoco seria homenageado na Caixa Cultural, cuja unidade paulistana fica na Praça da Sé. Tratava-se de um ciclo de leituras dos textos de espetáculos de sua longa carreira, e ele estaria presente no primeiro dia.
Claro que eu não poderia perder. Junto de Carlo Briani e Walter Breda, Cuoco leu o texto de Três Homens Baixos, de Rodrigo Murat. Após a leitura, que os presentes aplaudiram com o entusiasmo a que fez jus, os atores bateram um papo com o público, e encerrado o evento chegou o momento de autógrafos, fotos etc. Não eram ainda os tempos do smartphone, então um clique ou outro foi em máquina fotográfica analógica mesmo, ou nos celulares com câmera da época. Eu não tinha nada disso.
Apreensivo por estar na presença de um grande ídolo meu como ele, eu me aproximei de Francisco Cuoco, disse um “Gosto muito de você, Chico” e coisas assim, e ele se admirou da minha idade – 21 anos na ocasião. Pedi que ele por favor autografasse um livro com um perfil seu, lançado em 1973 – nos tempos de O Semideus (1973-1974) -, e um caderno meu, presente da TV Globo pela participação em um concurso.
O astro foi muito atencioso, simpático, gentil e humilde – como infelizmente nem sempre os famosos, os célebres, costumam ser com aqueles que se aproximam deles por admirá-los. O que para eles é apenas atender a mais um fã, para o fã costuma ser um sonho realizado. Pedi um abraço antes de me despedir e Cuoco prontamente abriu os braços, sorrindo. Uma moça que estava lá na ocasião disse algo como “Puxa, você gosta mesmo dele, né?”.
Sim, gosto – não “gostava”, porque ele morreu, mas o que significa para mim e para a dramaturgia brasileira não se dissipa. Diante de deboche e questionamento em torno do fato de eu gostar do trabalho de Francisco Cuoco, para muitos não mais do que um canastrão que a beleza sustentou no meio artístico, eu sempre o defendi, por assim dizer, e disse que, quando ele morresse, seria mais valorizado. Dito e feito. E, como comentei em postagem do amigo Nilson Xavier no Instagram sobre o artista, “Desse, Deus perdeu a fôrma”. Obrigado, Chico.
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